O Papa João Paulo II descreve o pecado original como o
“questionamento do dom de Deus”. Segundo ele, o homem, enquanto criado à imagem
e semelhança de Deus, tem no mais profundo de seu íntimo o anseio de participar
da vida e do amor divino. De outro modo, diríamos que o homem tem o anseio de
ser “igual a Deus”. Na verdade, Deus já havia concedido ao homem e a mulher uma
participação plena no Seu amor e na Sua vida. Mas o homem duvidou disso.
Para entendermos melhor essa participação no amor de Deus
vamos utilizar a linguagem esponsal por vezes repetida nas catequeses do Papa.
Pela linguagem esponsal podemos fazer uma analogia da relação entre Deus e o
ser humano, e entre homem e mulher. Assim, Deus desde o início ofereceu o seu
amor como dom, fazendo o papel de “esposo”, e o ser humano (homem e mulher)
receberam esse dom de amor como “esposa”. Por outro lado, tanto homem e mulher
receberam de Deus também essa capacidade de espelhar essa dinâmica de amor na
relação entre si, através da mútua doação na união matrimonial, como esposo e
esposa.
Então, no início essa harmonia do amor entre Deus e o homem,
e entre o homem e a mulher eram perfeitas, e deveria ter permanecido assim para
sempre. Mas afinal, o que deu errado? Por que homem e mulher pecaram? Veja que
homem e mulher foram criados para que mantivessem essa semelhança divina em seu
relacionamento de amor de maneira perfeita. Porém, Deus exigiu deles apenas uma
coisa, e isso eles não conseguiram manter: que não comessem da “árvore da
ciência e do mal”.
Ao quebrar esse relacionamento perfeito o homem e a mulher
também romperam com a fonte do amor e da vida, ainda que não de forma
definitiva. Mas não podemos esquecer que eles só fizeram isso porque foram induzidos
a tal intento. Pela primeira vez aparece uma voz sedutora que lança dúvida no
coração do ser humano. Essa voz sedutora que se opõe a Deus e quer sempre
destruir as Suas obras é conhecida na Escritura e na Tradição da Igreja como
‘Satanás’ ou ‘Diabo’. E Satanás sabia exatamente o que estava fazendo e
continua a maquinar o mesmo plano até os dias de hoje. Ele sabia que a união
entre o homem e a mulher era exatamente a forma mais plena da participação no
amor de Deus, e por isso foi justamente aí que ele concentrou e concentra o seu
ataque: “exatamente no coração daquela
união que, desde o começo, era formada pelo homem e pela mulher, criados e
escolhidos para serem uma só carne” (JP II, 05.03.1980).
Satanás aproxima-se exatamente da mulher porque ela representa
toda a humanidade, enquanto receptividade do dom de Deus, e faz a sua proposta:
“Vocês não morrerão. Pelo contrário, Deus
sabe muito bem que, no dia em que comerem da árvore proibida, os olhos de vocês
se abrirão, e serão como Deus, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3,4-5). Em
outras palavras, é como se Satanás estivesse dizendo que Deus não concedeu ao
homem a plenitude do seu amor, mas escondeu algo mais que não quer que o homem
saiba e conheça e tome posse disso. Ou seja, a dúvida que foi lançada no
coração do homem o faz ir sempre em busca de uma “felicidade” plena porque ele
não acreditou que essa felicidade já se encontrasse em sua vida. E se olharmos
para a nossa realidade humana, continuamos a duvidar do amor de Deus e buscamos
a “felicidade plena” à nossa maneira. No fundo, o pecado original continua
ecoando entre nós: queremos ser Deus. E buscamos esse “ser Deus” porque temos
sede da comunhão com Deus, mas buscamos isso da maneira mais errônea possível:
afastando-nos do amor de Deus, dando as costas para Deus, sendo desobedientes à
vontade e ao plano divino.
Duvidar do projeto de Deus parece ser uma constante na nossa natureza
decaída, porém mais ainda, a nossa sociedade de hoje tem promovido isso de
maneira mais feroz e sistemática. Não acreditamos no amor do Pai, e por isso
estamos sempre tentando agarrar a felicidade que nos é prometida pela sociedade
nas suas diversas facetas, ou que nós mesmos buscamos alcançá-la à nossa
maneira, achando que o plano de Deus não é perfeito, não é seguro, não é claro,
mas confiando só nas nossas próprias “seguranças”. Muito pelo contrário, a
verdadeira felicidade só poderá ser encontrada na obediência ao projeto divino,
na comunhão com Deus, na participação do seu dom, porque assim é a nossa
natureza de criaturas. Só seremos felizes se confiarmos plenamente no Pai e não
duvidarmos daquilo que Ele tem reservado de melhor para nós. Afinal de contas o
seu amor é grande o suficiente para não nos deixar desviar de seu projeto
original, porque assim deseja que experimentemos novamente aquela união amorosa
e de confiança perfeita que havia no início.
Pe. Idamor da Mota Jr
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