domingo, 16 de setembro de 2012

Teologia do Corpo - O Questionamento do Dom de Deus


O Papa João Paulo II descreve o pecado original como o “questionamento do dom de Deus”. Segundo ele, o homem, enquanto criado à imagem e semelhança de Deus, tem no mais profundo de seu íntimo o anseio de participar da vida e do amor divino. De outro modo, diríamos que o homem tem o anseio de ser “igual a Deus”. Na verdade, Deus já havia concedido ao homem e a mulher uma participação plena no Seu amor e na Sua vida. Mas o homem duvidou disso.
Para entendermos melhor essa participação no amor de Deus vamos utilizar a linguagem esponsal por vezes repetida nas catequeses do Papa. Pela linguagem esponsal podemos fazer uma analogia da relação entre Deus e o ser humano, e entre homem e mulher. Assim, Deus desde o início ofereceu o seu amor como dom, fazendo o papel de “esposo”, e o ser humano (homem e mulher) receberam esse dom de amor como “esposa”. Por outro lado, tanto homem e mulher receberam de Deus também essa capacidade de espelhar essa dinâmica de amor na relação entre si, através da mútua doação na união matrimonial, como esposo e esposa.
Então, no início essa harmonia do amor entre Deus e o homem, e entre o homem e a mulher eram perfeitas, e deveria ter permanecido assim para sempre. Mas afinal, o que deu errado? Por que homem e mulher pecaram? Veja que homem e mulher foram criados para que mantivessem essa semelhança divina em seu relacionamento de amor de maneira perfeita. Porém, Deus exigiu deles apenas uma coisa, e isso eles não conseguiram manter: que não comessem da “árvore da ciência e do mal”.
Ao quebrar esse relacionamento perfeito o homem e a mulher também romperam com a fonte do amor e da vida, ainda que não de forma definitiva. Mas não podemos esquecer que eles só fizeram isso porque foram induzidos a tal intento. Pela primeira vez aparece uma voz sedutora que lança dúvida no coração do ser humano. Essa voz sedutora que se opõe a Deus e quer sempre destruir as Suas obras é conhecida na Escritura e na Tradição da Igreja como ‘Satanás’ ou ‘Diabo’. E Satanás sabia exatamente o que estava fazendo e continua a maquinar o mesmo plano até os dias de hoje. Ele sabia que a união entre o homem e a mulher era exatamente a forma mais plena da participação no amor de Deus, e por isso foi justamente aí que ele concentrou e concentra o seu ataque: “exatamente no coração daquela união que, desde o começo, era formada pelo homem e pela mulher, criados e escolhidos para serem uma só carne” (JP II, 05.03.1980).
Satanás aproxima-se exatamente da mulher porque ela representa toda a humanidade, enquanto receptividade do dom de Deus, e faz a sua proposta: “Vocês não morrerão. Pelo contrário, Deus sabe muito bem que, no dia em que comerem da árvore proibida, os olhos de vocês se abrirão, e serão como Deus, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3,4-5). Em outras palavras, é como se Satanás estivesse dizendo que Deus não concedeu ao homem a plenitude do seu amor, mas escondeu algo mais que não quer que o homem saiba e conheça e tome posse disso. Ou seja, a dúvida que foi lançada no coração do homem o faz ir sempre em busca de uma “felicidade” plena porque ele não acreditou que essa felicidade já se encontrasse em sua vida. E se olharmos para a nossa realidade humana, continuamos a duvidar do amor de Deus e buscamos a “felicidade plena” à nossa maneira. No fundo, o pecado original continua ecoando entre nós: queremos ser Deus. E buscamos esse “ser Deus” porque temos sede da comunhão com Deus, mas buscamos isso da maneira mais errônea possível: afastando-nos do amor de Deus, dando as costas para Deus, sendo desobedientes à vontade e ao plano divino.
Duvidar do projeto de Deus parece ser uma constante na nossa natureza decaída, porém mais ainda, a nossa sociedade de hoje tem promovido isso de maneira mais feroz e sistemática. Não acreditamos no amor do Pai, e por isso estamos sempre tentando agarrar a felicidade que nos é prometida pela sociedade nas suas diversas facetas, ou que nós mesmos buscamos alcançá-la à nossa maneira, achando que o plano de Deus não é perfeito, não é seguro, não é claro, mas confiando só nas nossas próprias “seguranças”. Muito pelo contrário, a verdadeira felicidade só poderá ser encontrada na obediência ao projeto divino, na comunhão com Deus, na participação do seu dom, porque assim é a nossa natureza de criaturas. Só seremos felizes se confiarmos plenamente no Pai e não duvidarmos daquilo que Ele tem reservado de melhor para nós. Afinal de contas o seu amor é grande o suficiente para não nos deixar desviar de seu projeto original, porque assim deseja que experimentemos novamente aquela união amorosa e de confiança perfeita que havia no início.


Pe. Idamor da Mota Jr

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