segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Vitória de Cristo - Um caso surpreendente de amor à vida



‘Queria o bebê, a Vitória estava aqui, viva’
A jornalista gaúcha Joana Schmitz Croxato, descobriu aos 27 anos, em 2009, que estava grávida. A alegria, conta, foi imensa. O casamento com Marcelo Almeida Croxato, 30 anos, já chegava aos cinco anos e o sonho de aumentar a família era grande. “Ficamos muito felizes, porque já sonhávamos, esperávamos nossa filha e foi uma alegria saber que já tinha uma criança a caminho”, contou Joana ao O SÃO PAULO, em seu apartamento em Santo Amaro.

A notícia da gravidez...
A alegria do casal, a ansiedade a espera do bebê aumentou ao descobrirem o sexo, era menina, a pequena Vitória. Mais uma família crescia nesse imenso mundo, mais uma história comum, não fosse o diagnóstico inicial aos cinco meses de gestação, de acrania, uma anomalia fetal caracterizada pela ausência parcial ou total dos ossos do crânio. “Era uma situação tão difícil, em que você espera um bebê que a medicina diz que vai morrer. Então, a gente pensou: não importa, vamos esperar nossa filha em Cristo”. E assim, o nome da pequena se completou: Vitória de Cristo Schmitz Croxato. “Foi uma forma de esperança, a gente tinha fé, tínhamos esperança que algo diferente poderia acontecer, de que a medicina podia não prever tudo o que aconteceria”, disse a mãe, olhando para sua filha, nos braços do pai.
A notícia do diagnóstico veio junto com a do desemprego de Marcelo, gestor comercial, que negociou com a empresa e diante dos laudos médicos, conseguiu se manter no convênio médico. “Quando ele foi demitido, eles [empresa/convênio] já sabiam que eu estava com uma gestação mais delicada. Mandamos uma carta com os laudos da gestação e aprovaram em nos manter”, disse Joana.
Marcelo e Joana não tinham muita informação, até o diagnóstico, sobre o que era acrania, e depois, sobre anencefalia, e ainda que esta exista em diferentes graus, mas aos poucos foram se informando. “Recebemos bastante informação durante o diagnóstico, eles nos explicaram como seria a gestação e não davam muita informação sobre como o bebê poderia agir, o que poderia sentir”.
Para Marcelo, os nomes técnicos acrania, anencefalia por si só já geram preconceitos e a falta de informação leva a erros, segundo ele, como a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Relação com os médicos...
“A minha obstetra foi muita isenta e a primeira médica que fez o diagnóstico, nos deixou muito à vontade, mas depois...”. O depois a que Joana se refere diz respeito aos especialistas em medicina fetal consultados. “Eles foram muito diretos e enfáticos em falar que o melhor era interromper a gravidez”, lembrou a mãe que preferiu não identificar os especialistas.
Marcelo lembrou que o médico disse que sua filha era incompatível com a vida e que o melhor seria antecipar o parto. “E não adianta vir com nome bonitinho, antecipação de parto aos 6 meses é aborto, porque você não dá a mínima possibilidade de a criança nascer, independentemente de quanto ela vai viver”.
Durante a gestação, Joana pesquisou e descobriu dois casos de bebês que nasceram com anencefalia e viveram mais de um ano, e mesmo os médicos desconheciam tais casos.

A decisão, o sim à vida de Vitória...
Joana disse que não teve decisão a ser tomada, a não ser a condição natural da mãe, de amar e cuidar do bebê. “Quando recebemos o diagnóstico não teve decisão, a gente queria o bebê. A Vitória estava aqui, viva, [disse colocando as mãos sobre o útero]. Eu estava bem, e a via se mexendo nos exames... A médica dizia que provavelmente o bebê ia morrer, mas eu dizia o bebê está vivo, então, a gente tem que dar a oportunidade a ela de viver”, disse a mãe. E a oportunidade foi dada.
Segundo médicos especialistas, em casos extremos, a mãe pode correr risco de morte, e precisa de acompanhamento. Joana teve um pré-natal normal, viveu uma gestação tranquila, sem dores ou sustos, disse ter buscado forças em sua fé e em Vitória para superar as dificuldades. “Comecei a perceber que ao viver a gestação e me envolver com a minha filha, eu já estava me tornando mãe, porque a mãe também vai sendo gerada com aquela criança, e pensei: talvez eu não possa cuidar da minha filha por muito tempo quando ela nascer, mas eu posso cuidar dela na gravidez”, revelou a jovem mãe.
O casal lembrou que algumas pessoas da família ficaram sem reação no início de todo o processo, mas que a atitude de esclarecer as dúvidas ajudou a todos a se unirem. “Todo mundo começou a apoiar e isso me dava muita força, as pessoas chamavam a Vitória pelo nome, davam presentinhos”.
Joana lembra com carinho do Chá de Bebê, feito aos 8 meses de gestação, por duas amigas. “Eu não sabia se fazia sentido me preparar para uma gravidez assim... mas eu dizia, tem um bebê aqui”.

Marcelo recorda que tudo foi comprado com muito carinho e dedicação, que alguns os chamavam de loucos. “Ainda desempregado, compramos tudo, o último item foi uma escova de cabelo e para uma pessoa que ia nascer sem a parte do couro cabeludo”, lembra, acariciando a mexa castanho claro do cabelo de Vitória.

A chegada de Vitória...
O parto foi cesariana. Dia 13 de janeiro de 2010. “Fiquei muito angustiada no momento do parto, tinha medo que ela falecesse muito rápido e aí quando ouvi aquele chorinho me deu uma alegria, uma paz, foi uma coisa realmente de Deus, como se a minha missão tivesse sido cumprida”, contou emocionada, agora com Vitória nos braços, e em suas mãos, os dedinhos perfeitos e gorduchos de Vitória.
A pequena “guerreira”, como chama a mãe, nasceu com 38 centímetros e 1 quilo e 785 gramas, tamanho de um bebê prematuro. Ficou cinco meses internada na Unidade de Terapia Intensiva e diária e intensamente, recebia o cuidado dos pais, já que, segundo os médicos, a qualquer momento poderia falecer. “Ter a oportunidade de cuidar dela, naquele momento foi maravilhoso”, revelou Joana.
Com duas semanas de vida, pegou uma infecção grave, tinha dificuldades respiratórias. “Por 16 dias os médicos nem a examinavam, pareciam até esperar a morte, até que um dia uma médica examinou com mais atenção, pediu hemograma, e viu-se que ela estava com infecção e anemia, deram antibiótico, transfusão de sangue e ela ficou super bem”. Aos 2 meses, Vitória começou a mamar no seio da mãe, e aos 4 fez uma ressonância magnética que tentou descrever sua condição como anencefalia incompleta — presença de tronco cerebral, cerebelo e diencéfalo, porém ausência de parênquima cerebral (córtex) —, o que caracterizaria a anencefalia.

O julgamento do STF...
O Supremo Tribunal Federal aprovou em 12 de abril deste ano, a antecipação de parto de feto anencéfalo e sobre essa decisão, Joana escreveu em seu blog (amadavitoriadecristo.blogspot.com.br). “Minha tristeza com relação à decisão do STF foi a de perceber que a criança portadora de anencefalia foi totalmente desumanizada nesta decisão, e sua vida inferiorizada e desprezada devido à sua fragilidade e brevidade... É extremamente ofensivo e desrespeitoso referir-se como um caixão ambulante a uma mulher que decide amar e respeitar a vida do seu filho... tudo isso é uma experiência intensa de vida e jamais deveria ser tratado com tanto desprezo e ignorância jurídica e científica”.

Vitória ensina a mãe...
Joana passou seu primeiro Dia das Mães na UTI e no próximo domingo espera estar com Vitória saudável nos braços. “Sinto-me uma pessoa mais sensível, mais humana e mais forte, porque quando me sentia fraca e via minha filha mesmo com um problema tão sério e expectativa de vida tão baixa, e ela lutando, mostrando um desejo de viver”. Marcelo também registrou. “O que mais me encanta nela é quanto dedica e ama genuinamente nossa filha, por entender o valor da vida”.
A entrevista terminou, o gravador foi desligado, as fotos cessaram. Restou o exemplo da pequena “guerreira” e da luta da família pela Vitória, pelas pequenas coisas, por um dia de sol.

Texto: Karla Maria Foto: Luciney Martins