sexta-feira, 15 de junho de 2012

Teologia do Corpo V - A Nudez Original


Um outro conceito importante para entendermos as catequeses do Papa João Paulo II sobre o amor humano é o que ele chama de “Nudez Original”. Segundo o Papa este conceito é a chave para compreendermos o plano original de Deus para a vida humana. O texto-base que serve de ponto de partida para análise é o seguinte: “O homem e sua mulher estavam nus, mas não se envergonhavam” (Gen 2,25).
Para entendermos bem esse conceito, vamos partir de uma situação concreta que acontece na nossa realidade. Se, por exemplo, uma mulher está sozinha tomando banho ela não tem necessidade alguma de cobrir o corpo. Mas se de repente um estranho aparece de surpresa, ela reage automaticamente cobrindo-se com as mãos. Qual o porque disso? Diríamos prontamente porque ela sente vergonha. De fato, todos nós somos tomados de uma certa vergonha e pudor em relação ao nosso corpo. Por que? Porque a vergonha, segundo o Papa, é na verdade uma espécie de autodefesa que temos em relação não só ao nosso corpo, mas a todo o nosso ser. No caso da mulher do exemplo acima, ela reage dessa forma para evitar ser tratada como mero objeto sexual, como uma “coisa”. Ela reage quase que instintivamente porque é a maneira que ela pode resguardar sua dignidade como pessoa humana: a dignidade dada por Deus e que quer evitar qualquer olhar sensual. Ela cobre seu corpo porque se sente agredida por um olhar que não a vê na sua dignidade, e também porque ela sabe, por experiência, que os homens, por causa do pecado original, tendem a ver o corpo da mulher como um objeto. Em outras palavras, a vergonha é uma forma de autodefesa contra qualquer olhar que tenda a ver o corpo como objeto de desejo sexual.
Mas será que sempre foi assim com o ser humano? O Papa, em suas catequeses, afirma que não. Na experiência da nudez original de Adão e Eva não havia ainda o desejo sexual como satisfação própria, o que nós chamamos de luxúria. Por isso eles não tinham vergonha um do outro, ou seja, não tinham a necessidade de autodefesa na presença do outro, pois nenhum se apresentava como uma ameaça à dignidade do outro, portanto estavam nus. Naquele estado, os corpos de ambos expressavam plenamente o amor de Deus e amavam-se e viam-se assim como Deus os amava e os via. Tal era o estado de pureza que se encontravam que, ao olharem-se, não viam somente o corpo mas todo o ser do outro. Aqui poderíamos até dizer que conseguiam ver a alma do outro e, desse modo, a dignidade do outro.
Deus havia criado o desejo sexual desde o início, mas esse desejo significava o poder de amar o outro do mesmo jeito que Deus os amava. Só depois do pecado é que o desejo sexual passa a ser uma compulsão ou instinto de gratificação egoísta, que transforma o outro em objeto e fere a sua dignidade. Então, o primeiro homem e a primeira mulher amavam-se como uma verdadeira e autêntica doação mútua, eram totalmente livres do pecado, e por isso podiam tornar-se um verdadeiro dom para o outro.
Por causa da experiência do pecado, a nossa própria experiência com relação à nossa sexualidade ficou terrivelmente distorcida. O caso mostrado no segundo parágrafo exemplifica bem isso. Mas há muitas outras distorções nesse campo que poderíamos citar. Visto as distorções da nossa sexualidade, a nossa tendência talvez seja a de pensar que existe algo de errado com o sexo em si mesmo, como algo pecaminoso. Mas é bom sabermos que as distorções não estão na essência do sexo, porque ele é na verdade um sinal da própria bondade de Deus; e “Deus contemplou sua obra e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31).
Isso implica dizer que também participamos da bondade de Deus, estamos inseridos no plano de amor que ele traçou para nós; e esse plano de amor está inscrito nos nossos próprios corpos. É preciso então que recuperemos o significado que nossos corpos têm diante do plano de Deus e possamos assim aprender a respeitar o outro como um ser humano digno de respeito porque expressa em si mesmo a beleza e a bondade divinas. É verdade que perdemos aquela visão gloriosa do outro que havia no início, mas não podemos esquecer que para isso Deus enviou o seu Filho  para “restaurar a criação na sua pureza original” (CIC n. 2336). Sabemos também que só no céu é que poderemos restaurar completamente a pureza perdida; mas por enquanto podemos contar com a graça divina da redenção que se dá por meio de Jesus Cristo. É Ele que nos dá os meios necessários e a certeza que ainda nesta vida podemos reconquistar aos poucos aquilo que perdemos. Deixemos então que o Senhor possa sempre restaurar nossos afetos e nossos desejos para que comecemos a contemplar no outro a beleza que Deus estampou em cada um de nós.
  
                                                                                                           Pe. Idamor da Mota Júnior

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Teologia do Corpo - IV - A Unidade Original


No último artigo vimos o conceito de Solidão Original que está intimamente ligado com o conceito que ora vamos analisar: a Unidade Original. O texto que serve como referência é o que se segue: “Então o Senhor Deus fez vir sobre o homem um profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem” (Gn 2,21-22).
Na análise do Papa João Paulo II o ‘profundo sono’ do homem (Adão) indica um momento que ele volta ao “não-ser” ou ao momento que antecede a criação. Em outras palavras, é como se o homem deixasse de existir por um breve momento ou ainda como se voltasse no tempo, para que o mesmo pudesse ressurgir já com a sua dupla unidade de homem e mulher. Ao acordar o homem exclama: “Desta vez sim, essa é osso dos meus ossos e carne de minha carne! Ela será chamada mulher (em hebraico ‘ishá’) porque do homem (‘ish’) foi tirada” (Gn 2,23). Assim o homem exulta de alegria ao ver diante de si um ser que é semelhante a si. O próprio simbolismo de que Deus ‘tirou uma das costelas’ do homem mostra essa unidade original entre homem e mulher.
A unidade original, através da masculinidade e feminilidade, revela a comunhão de pessoas querida por Deus desde o início. Essa comunhão só poderia se formar a partir da ‘dupla solidão’ do homem e mulher, pois tanto homem como a mulher padecem da mesma solidão original, que como vimos no artigo anterior revela a necessidade da presença de Deus na vida de ambos. Daí entendermos que a unidade original se expressa como uma ultrapassagem dos limites da solidão, pois essa mesma solidão aponta para a comunhão.
O Papa afirma ainda o seguinte: “O homem torna-se imagem de Deus não tanto no momento da solidão quanto no momento da comunhão, (...) como imagem de uma imperscrutável comunhão divina de Pessoas” (TdC 9). Em outras palavras, a comunhão que homem e mulher são chamados a realizar é um reflexo da comunhão plena existente entre as pessoas da Santíssima Trindade. Nesse sentido, é na comunhão com o sexo oposto é que o homem torna-se imagem de Deus, pois Deus em sua essência é pura comunhão.
Segundo o Papa a expressão do Gênesis “os dois serão uma só carne” (2,24) chega ao seu ápice quando se realiza o ato conjugal. Antes de tudo é preciso entendermos que a expressão “uma só carne” implica uma comunhão total de vida entre homem e mulher. Mas quando homem e mulher tornam-se uma só carne através do ato conjugal eles redescobrem o mistério da criação. Eles voltam ao mistério que os permite reconhecerem-se reciprocamente chamarem-se pelo nome como aconteceu no primeiro encontro entre o primeiro homem e a primeira mulher.
Uma aplicação prática do significado da unidade original que envolve homem e mulher dá-se no fato de que a união de ambos no ato sexual é algo de misterioso e sagrado. Daí termos que afastar aquela ideia errônea de que o ato sexual é pecaminoso. Não, o ato sexual em si mesmo não é pecado. O ato sexual é sagrado! E por ser sagrado é que o mesmo deve ser respeitado e vivido como tal, evitando toda e qualquer tipo de banalização. Quando banalizado, o ato sexual torna-se o oposto do plano original de Deus para com o homem, pois ele desfigura o plano divino da comunhão de vida total entre homem e mulher; e tudo o que desfigura o plano original de Deus para com o homem nós chamamos de pecado. O ato sexual só tem sentido amplo e total quando acontece dentro de uma comunhão plena de amor entre homem e mulher. Ser “uma só carne” no ato sexual só tem sentido pleno quando homem e mulher já assumiram previamente o compromisso de viverem numa comunhão de vida e de amor que é para sempre, selada com as bênçãos de Deus. O matrimônio cristão é o lugar próprio dessa comunhão de vida e de amor, e o lugar onde o ato sexual recebe toda a força de sua grandeza e dignidade fazendo jus a sua sacralidade.

Pe. Idamor da Mota Jr. 

Católicos favoráveis à Homofobia?


   Nas últimas semanas temos acompanhado novas discussões sobre leis contra a homofobia – discussão que volta à tona pelo seminário organizado pela Senadora Marta Suplicy sobre o Projeto de Lei da Câmara 122/2006 (mais conhecido como PLC 122) e pelas propostas para o novo Código Penal Brasileiro. Com base nessas discussões, poderíamos perguntar-nos, qual é a posição dos católicos em relação à homofobia?
   É já ideia comum entre os não-católicos – e infelizmente entre muitos católicos também – pensar que nós, católicos, somos homofóbicos. Nada mais equivocado. Atitudes de violência física ou moral, ridicularizações – ou o famoso bullyng, que agora está de moda – são tão contrários à doutrina católica como qualquer outro pecado contra a caridade. Sendo assim – repito para deixar bem claro – não somos e jamais seremoshomofóbicos se queremos seguir a Cristo.
   Ao mesmo tempo somos também contrários aos atuais projetos de lei propostos e já citados. Por sermoshomofóbicos? Não. Mas por diversas outras razões. A primeira delas é por ser um projeto legislativamente desnecessário. Contra a violência – seja física ou moral – e contra a discriminação, já existem leis às quais as pessoas que se sintam injustiçadas podem recorrer. Não é necessário criar uma nova lei, mas sim fazer que as leis já existentes se apliquem de fato. Porque estamos vivendo em uma tendência de multiplicar leis que já existem?
   Em segundo lugar, a lei apresentada é contrária à liberdade de expressão e à liberdade religiosa. É verdade que a liberdade de expressão não é e não pode ser absoluta – por exemplo, ninguém nunca pode incitar à violência recorrendo à liberdade de expressão. Mas também é verdade que, com a nova lei, os limites do que poderá ser interpretado como agressão ou não-agressão – do ponto de vista moral – serão muito frágeis. Se um pastor protestante ou um sacerdote católico lerem ou pregarem sobre a 1ª Carta de São Paulo aos Corintios – Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os ladrões herdarão o reino de Deus – não poderá alguém recorrer à “nova” lei por sentir-se agredido? Se um sacerdote negar a comunhão a um “casal” homossexual, estes não poderiam acusar ao sacerdote de “homofóbico”?
   Queremos apenas a liberdade de poder afirmar aquilo em que acreditamos. De poder dizer claramente, sem nenhuma pretensão de ofender a ninguém, que uma pessoa que vive atos homossexuais está ofendendo a Deus. De poder oferecer ajuda – somente àquelas pessoas que queiram e acreditem que precisam ser ajudadas – a que vivam o amor de Deus em plenitude. Queremos ser livres, sem ofender a ninguém, mas ser de fato livres para pensar.
   Em um artigo escrito há aproximadamente dois anos sobre este mesmo tema, fui acusado em um blog – por pessoas que não me conhecem – de ser pedófilo, pederasta, homossexual, etc. Tudo isso pelo simples fato de ser sacerdote. Como sabemos, a discriminação atual contra a Igreja e contra os sacerdotes não são casos isolados – somos os únicos que não temos mais direito à liberdade. Devemos criar então uma lei de “sacerdociofobia” ou “eclesiofobia”por causa disso? Não. Por que então reivindicam que para os grupos homossexuais é necessária uma lei específica?

**Pe. Hélio é graduado em filosofia e teologia pela Universidade de Navarra, na Espanha, Mestrado em bioética pela mesma Faculdade; Mestrando em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz (PUSC), na Itália, doutorando em bioética pela Faculdade de Medicina do Campus Biomedico di Roma (UNICAMPUS), na Itália e Membro da Comissão de Bioética da CNBB.