No último artigo vimos o conceito de Solidão Original que
está intimamente ligado com o conceito que ora vamos analisar: a Unidade
Original. O texto que serve como referência é o que se segue: “Então o Senhor Deus fez vir sobre o homem um
profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com
carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher e
apresentou-a ao homem” (Gn 2,21-22).
Na análise do Papa João Paulo II o ‘profundo sono’ do homem
(Adão) indica um momento que ele volta ao “não-ser” ou ao momento que antecede
a criação. Em outras palavras, é como se o homem deixasse de existir por um
breve momento ou ainda como se voltasse no tempo, para que o mesmo pudesse
ressurgir já com a sua dupla unidade de homem e mulher. Ao acordar o homem
exclama: “Desta vez sim, essa é osso dos
meus ossos e carne de minha carne! Ela será chamada mulher (em hebraico ‘ishá’)
porque do homem (‘ish’) foi tirada” (Gn 2,23). Assim o homem exulta de
alegria ao ver diante de si um ser que é semelhante a si. O próprio simbolismo
de que Deus ‘tirou uma das costelas’ do homem mostra essa unidade original
entre homem e mulher.
A unidade original, através da masculinidade e feminilidade,
revela a comunhão de pessoas querida por Deus desde o início. Essa comunhão só
poderia se formar a partir da ‘dupla solidão’ do homem e mulher, pois tanto
homem como a mulher padecem da mesma solidão original, que como vimos no artigo
anterior revela a necessidade da presença de Deus na vida de ambos. Daí entendermos
que a unidade original se expressa como uma ultrapassagem dos limites da
solidão, pois essa mesma solidão aponta para a comunhão.
O Papa afirma ainda o seguinte: “O homem torna-se imagem de Deus não tanto no momento da solidão quanto
no momento da comunhão, (...) como imagem de uma imperscrutável comunhão divina
de Pessoas” (TdC 9). Em outras palavras, a comunhão que homem e mulher são
chamados a realizar é um reflexo da comunhão plena existente entre as pessoas
da Santíssima Trindade. Nesse sentido, é na comunhão com o sexo oposto é que o
homem torna-se imagem de Deus, pois Deus em sua essência é pura comunhão.
Segundo o Papa a expressão do Gênesis “os dois serão uma só carne” (2,24) chega ao seu ápice quando se
realiza o ato conjugal. Antes de tudo é preciso entendermos que a expressão
“uma só carne” implica uma comunhão total de vida entre homem e mulher. Mas
quando homem e mulher tornam-se uma só carne através do ato conjugal eles
redescobrem o mistério da criação. Eles voltam ao mistério que os permite
reconhecerem-se reciprocamente chamarem-se pelo nome como aconteceu no primeiro
encontro entre o primeiro homem e a primeira mulher.
Uma aplicação prática do significado da unidade original que
envolve homem e mulher dá-se no fato de que a união de ambos no ato sexual é
algo de misterioso e sagrado. Daí termos que afastar aquela ideia errônea de
que o ato sexual é pecaminoso. Não, o ato sexual em si mesmo não é pecado. O ato sexual é sagrado! E por ser
sagrado é que o mesmo deve ser respeitado e vivido como tal, evitando toda e
qualquer tipo de banalização. Quando banalizado, o ato sexual torna-se o oposto
do plano original de Deus para com o homem, pois ele desfigura o plano divino
da comunhão de vida total entre homem e mulher; e tudo o que desfigura o plano
original de Deus para com o homem nós chamamos de pecado. O ato sexual só tem
sentido amplo e total quando acontece dentro de uma comunhão plena de amor
entre homem e mulher. Ser “uma só carne” no ato sexual só tem sentido pleno
quando homem e mulher já assumiram previamente o compromisso de viverem numa
comunhão de vida e de amor que é para sempre, selada com as bênçãos de Deus. O
matrimônio cristão é o lugar próprio dessa comunhão de vida e de amor, e o
lugar onde o ato sexual recebe toda a força de sua grandeza e dignidade fazendo
jus a sua sacralidade.
Pe. Idamor da Mota Jr.
Nenhum comentário:
Postar um comentário