quarta-feira, 4 de abril de 2012

Teologia do Corpo - Parte3 - A Solidão Original


Vimos no último artigo que o Papa toma como ponto de partida de suas catequeses o “princípio” da criação, conforme a narração do livro do Gênesis. A partir de agora vamos ver seis conceitos fundamentais que explicam a condição humana no “princípio”. São eles: a solidão original, a unidade original, a nudez original, o significado esponsal do corpo, a inocência original, e o ciclo “conhecimento-procriação”. Vamos refletir hoje sobre o primeiro dos seis conceitos fundamentais das catequeses do Papa João Paulo II sobre o amor humano: a solidão original.
Vamos partir da seguinte passagem do Gênesis: “E o Senhor Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda’” (Gen 2,18). É bom lembrar que na narrativa do Gênesis Deus criou o homem e o chamou de Adão – aquele que foi criado do “pó da terra” – e só depois da criação da mulher é que ele é chamado de homem (varão) no sentido estrito da palavra. No hebraico o homem é chamado de “Ish” e a mulher “Ishá”.
Quando Deus diz que “não é bom que o homem esteja só”, podemos entender essa solidão do homem em dois sentidos: o primeiro deriva da própria condição do homem enquanto criatura, ou seja, da sua própria humanidade; o segundo deriva do fato da relação entre homem-mulher que é evidente nessa narrativa. Para entendermos melhor esses dois sentidos é preciso lermos o versículos seguintes: “Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e apresentou-os ao homem para ver como os chamaria; cada ser vivo teria o nome que o homem lhe desse. E o homem deu nome a todos os animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens, mas não encontrou uma auxiliar que lhe correspondesse” (Gen 2,19-20).
Quando o homem nomeia todos os animais ele percebe que é diferente de todas as criaturas que o rodeiam. Pela primeira vez o homem toma consciência que ele é corporalmente diferente de todas as espécies vivas, e mais do que isso, ele é diferente em inteligência e espírito, pois o mesmo é capaz de dar nome às criaturas. De certa forma o homem percebe que é superior a todas as criaturas, ou seja, ele não pode se colocar em pé de igualdade a nenhuma das espécies vivas sobre a terra. Daí, entendemos que o homem encontra-se, desde o primeiro momento de sua existência, diante de Deus e em busca de sua própria “identidade”. Essa identidade só é adquirida quando o homem percebe diante dele alguém que lhe é semelhante a si mesmo: a mulher. Mas também essa identidade não é esgotada somente na criação da mulher, porque a solidão original continua mesmo com a presença do sexo oposto. Por quê? Porque a solidão original do homem (entenda-se homem ou mulher) está baseada no fato que ele é essencialmente constituído em uma relação com o próprio Deus. Em outras palavras, o homem é criado com uma abertura a Deus, ele é capaz de Deus, ele precisa de Deus para preencher a solidão que habita dentro de si.
Com base nisso vamos olhar para a nossa realidade: dois pontos a serem refletidos aqui. Todos nós temos uma dimensão transcendente que nos remete a Deus e que por isso precisa ser preenchida por Deus. Daí a frase de Santo Agostinho “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. Por outro lado, enquanto seres sexuados, podemos afirmar que ambos, homem e mulher, precisam um do outro para afirmarem suas identidades masculina e feminina. O homem precisa da figura da mulher para ser autenticamente masculino, a mulher precisa da figura do homem para ser autenticamente feminina. Daí, por exemplo, podemos entender como é fundamental o exercício correto da presença do pai e da mãe para a formação das personalidades dos filhos. Quando pai e mãe assumem seus papéis dentro do lar com amor e dedicação na educação dos filhos, tentando reduzir ao máximo as lacunas desse processo educativo, o resultado não pode ser outro senão filhos com uma identidade bem definida em relação à sua sexualidade, abertos à realidade do amor e abertos àquele que é o fundamento do amor: Deus. O contrário disso é o que vemos multiplicar-se em nossa sociedade: famílias desestruturadas e destruídas que não mais transmitem essa identidade para os filhos, e filhos que não sabem mais assumir uma identidade do que é ser masculino e feminino de acordo com o projeto original de Deus.
No próximo artigo veremos o significado da “Unidade Original”. Até lá.

Teologia do Corpo - Parte2 - Cristo se Refere ao Princípio


No último artigo publicado me propus a expor de maneira sintética a Teologia do Corpo desenvolvida por João Paulo II quando de suas catequeses sobre o amor humano. As catequeses do Papa estão basicamente divididas em duas grandes partes: a primeira parte aborda “As Palavras de Cristo” e segunda parte sobre “O Sacramento” do matrimônio. A primeira parte, no entanto, está dividida em três partes. A primeira delas é a que aqui expomos neste artigo.
No início de suas catequeses o Papa João Paulo II tenta traçar uma adequada antropologia, ou seja, uma adequada “visão integral do ser humano”. E o ponto de partida são as palavras de Cristo direcionada aos fariseus na passagem de Mateus sobre o divórcio.
Os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova: É permitido a um homem rejeitar sua mulher por um motivo qualquer? Respondeu-lhes Jesus: Não lestes que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e disse: Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu. Disseram-lhe eles: Por que, então, Moisés ordenou dar um documento de divórcio à mulher, ao rejeitá-la? Jesus respondeu-lhes: É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres; mas no começo não foi assim” (Mt 19,3-8).
Ao responder a pergunta dos fariseus Jesus recorre às Escrituras, mais precisamente ao livro do Gênesis, e na sua fala faz referência duas vezes ao “princípio”. O princípio aqui refere-se à criação e a condição inicial que homem e mulher possuíam antes do pecado. Vale ressaltar que, quando Jesus chama a atenção dos fariseus para as palavras  escritas em Gênesis, ele quer, de certa maneira, que eles ultrapassem os limites da condição pecadora do homem e tenham uma compreensão de como era o homem no estado “original”, na sua situação de inocência original. Jesus quer então que eles façam uma distinção entre o estado original e o estado atual do homem (estado “histórico”) que já se encontra dentro do conhecimento do “bem e do mal”, conforme a sugestão do maligno simbolizado pela serpente.
O que isso significa para nós? Significa em primeiro lugar que a ordem inicial da criação do homem querida por Deus não perdeu a força por causa do pecado. Significa que, ainda que o homem tenha perdido a inocência original, Jesus aponta para um caminho onde é possível o homem resgatar algo da sua essência original, isso porque o homem está aberto para o mistério da redenção que veio através do próprio Jesus. Em outras palavras, o homem histórico sujeito às limitações do pecado é capaz de encontrar em Jesus Cristo a sua imagem de ser imaculado e puro como era no “princípio”, de acordo com a vontade e desígnio do Criador. Como diz João Paulo II, essa é a perspectiva da redenção do homem, e mais ainda, a “perspectiva da redenção do corpo” que assegura a continuidade e a unidade entre o estado de pecado do homem e a sua inocência original.
Sabemos que fomos criados por amor e para o amor conforme a vontade divina do Criador; mas para conhecermos o caminho para compreensão mais profunda desse amor e tentar exercitá-lo na nossa experiência cotidiana é preciso que conheçamos a natureza original do ser humano, a nossa própria natureza, para que por Cristo, com Cristo e em Cristo possamos resgatar o nosso “eu” do “princípio”.
No próximo artigo veremos um dos conceitos fundamentais para entendermos a condição humana no princípio. Até lá!


Pe. Idamor da Mota Jr.