Muita gente hoje olha para o cristianismo, em particular
para a Igreja Católica, como uma religião baseada somente em uma série de
preceitos e normas a serem observadas. E no que diz respeito à moralidade
sexual esse número cresce ainda mais, visto que até mesmo um grande número de
católicos têm essa visão de que a Igreja apresenta uma lista opressiva de
regras a serem cumpridas.
Em primeiro lugar é bom deixarmos claro que essa visão é um
mal-entendido que reflete apenas um ponto de vista; e um ponto de vista de quem
realmente não conhece ou não entendeu que a moralidade anunciada pela Igreja
nada mais é do que a moralidade viva proclamada por Cristo. Tudo o que a Igreja
vem apresentar como “norma” está, na verdade, baseado na Boa Nova de Cristo, ou
seja, no seu Evangelho. E o Evangelho de Cristo não vem para nos dar mais
regras para serem observadas, como as que já haviam no Antigo Testamento. Pelo
contrário, o Evangelho quer, na verdade, mudar nossos corações de tal forma até
o ponto de não precisarmos mais de regras (cf. CIC 1968). É dessa experiência
de mudança de coração é que vivenciamos a verdadeira “liberdade diante da lei”
proposta por São Paulo.
Um exemplo prático do que significa esse contraponto entre
liberdade e lei podemos imaginar na seguinte situação: se perguntarmos a um
homem casado que diz amar sua esposa, se ele tem o desejo de matá-la. Ele com
certeza dirá que não, porque ele a ama verdadeiramente. A princípio essa
pergunta deve parecer estranha, mas ela serve para demonstrar uma situação.
Veja que esse homem, ao afirmar que não possui esse desejo de matar a esposa,
está dizendo, em outras palavras, que ele não precisa do mandamento “não
matarás a tua esposa”, até porque nunca passou em sua mente a possibilidade de
“transgredir” tal lei. É isso que chamamos de viver “livre da lei”, porque o
coração humano já está conformado a essa lei.
Se imaginarmos que antes do pecado o coração humano estava
em total sintonia com a vontade de Deus, dá para entender que não havia no
coração do homem nenhum desejo de transgredir qualquer lei, até porque não
havia nenhuma lei imposta. Em outras palavras, o homem e a mulher eram
totalmente livres e não precisavam de nenhuma lei porque seus desejos eram os
desejos de Deus. Após o pecado original há uma ruptura dessa harmonia inicial
e, como resultado, surge a lei, que tem como papel fundamental convencer o
coração humano sobre o pecado e suas consequências. Por não ter mais seus
desejos totalmente voltados para o desejo divino o homem precisa agora de
parâmetros que o guie em direção do desígnio de Deus. Daí a necessidade de leis.
Porém, Jesus vem quebrar essa dependência estrita à Lei. No
sermão da montanha quando Jesus diz: “Ouvistes
o que dizem os mandamentos [...] mas eu vos digo...”, Ele quer dizer que
precisamos ir além dos meros preceitos. Encontramos no Catecismo da Igreja
Católica a afirmação de que a lei do Antigo Testamento é boa e justa, mas “não
dá por si mesma a força, a graça do Espírito, para cumpri-la” (CIC 1963). Isso
significa que precisamos deixar que Cristo nos liberte, não só do pecado, mas
da dependência da lei através de uma reforma do coração, de uma mudança de
mentalidade. Só assim a nossa necessidade da lei diminuirá à medida que decidirmos
no coração que não queremos mais transgredi-la.
É verdade que para muitos os ensinamentos da Igreja parecem
uma carga ou imposição. O problema aqui não está na lei em si mesma ou na
Igreja. O problema está naquilo que Jesus vai chamar de “dureza de coração”.
Isso significa que somente Cristo pode transformar nossos desejos desordenados.
Toda tentativa de somente seguir regras são em vão, pois elas acabam apenas
criando uma “fachada” daquilo que somos ou fazemos. É por isso que Jesus
criticava os fariseus e os chamava de hipócritas.
Da nossa parte, como cristãos, devemos evitar essa linha farisaica e
buscarmos passar da escravidão de um código ético para a liberdade de vivermos
um verdadeiro ‘etos’: a liberdade da redenção. A experiência desse novo etos,
que nada mais é do que a transformação do coração, é que deve ser a aspiração
de nossa vida. E é somente quando aspiramos ao que é verdadeiro, bom e bonito,
é que somos verdadeiramente livres – livres para amar sem medida. Tenhamos
então, sempre como referência as palavras do Apóstolo Paulo quando diz: “É para que
sejamos homens livres que Cristo nos libertou. Ficai, portanto, firmes e não
vos submetais outra vez ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).
Pe. Idamor da Mota Junior