No segundo ciclo das catequeses sobre o
amor humano o Papa João Paulo II aborda a temática denominada “Cristo se Refere ao Coração Humano”.
Essa é o mais longo do ciclo de sua Teologia do Corpo, o que consiste de 40
audiências feitas entre 16 de abril de 1980 e 06 maio de 1981. Nesse ciclo o
Papa fundamenta suas reflexões nas seguintes palavras ditas por Jesus no Sermão
da Montanha: “Ouvistes que foi dito: ‘Não
cometerás adultério’. Ora, eu vos digo: todo aquele que olhar para uma mulher
com o desejo [luxurioso] de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu
coração” (Mt 5,27-28).
Percebemos claramente que Cristo fala do
desejo (luxúria) do homem (varão), mas essa frase pode ser aplicada também à
mulher. Na nossa experiência cotidiana percebemos que a luxúria no homem parece
voltar-se mais para a gratificação física, enquanto na mulher essa luxúria se
manifesta mais na busca de uma gratificação emocional. Ou seja, o homem, em
muitos casos, usa o “amor” como artifício para conseguir sexo, enquanto que a
mulher, em busca de um amor autêntico, acaba por se sujeitar como objeto de
satisfação sexual. Mas o contrário também ocorre: há mulheres que sentem
ardentes desejos físicos e homens que têm desejos emocionais. Há também o caso
daquelas pessoas que sentem atração de desejo pelo mesmo sexo. É o fenômeno da
homossexualidade, uma questão complexa que não é o objetivo de nossa reflexão
neste momento. Embora haja hoje em dia uma tentativa enorme em querer afirmar
que a homossexualidade é uma coisa normal, ela é apenas uma manifestação de
nossa humanidade distorcida pelo pecado. Mas sejam quais forem as distorções
que tivermos em nossa sexualidade, a receita ou o caminho para vivermos de
acordo com o plano querido por Deus para cada um de nós é o seguimento de
Cristo através da radicalidade da vivência do Evangelho: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me” (Mt 16,24). Só Cristo é que pode nos dar força para vivermos
adequadamente o plano de Deus em nossa masculinidade ou feminilidade. Somente o
amor redentor de Cristo é capaz de alcançar e superar as distorções de nossa
sexualidade.
Como podemos então entender as palavras de
Cristo quando Ele fala num “olhar com desejo”? Certamente não podemos cair no
extremismo de achar que um olhar ou pensamento momentâneo nos torne culpados ou
pecadores. Por causa de nossa humanidade decaída estamos sempre sujeitos a
sentir uma certa “atração de luxúria” em nossos corações ou em nossos corpos.
Isso não significa necessariamente que estamos pecando. Mas o problema reside
no nosso procedimento ao experimentarmos essa “atração de luxúria”. Isso sim,
faz toda a diferença. A maneira como reagimos a isso é que pode tornar culpável
nossas ações. Se no momento dessa “atração” voltarmos nossa atenção e nossas
forças para Deus e pedirmos ajuda para resistir, com certeza seremos
vencedores. Do contrário, se nos deleitarmos naquilo que vemos ou pensamos, e aceitarmos
em nosso coração a proposta da luxúria, acabamos por transformar o outro em
mero objeto de nossa própria satisfação, além de ferirmos gravemente a sua dignidade
como pessoa. Aqui é bom lembrarmos que fomos criados para sermos amados e não
para sermos usados como objetos de satisfação dos outros. A lógica é simples:
se não queremos ser objetos para os outros, também tenhamos o cuidado de não
tratarmos os outros como objetos.
Na sua análise, o Papa João Paulo II vai
mais além quando explica que o homem não só comete adultério quando olha com
luxúria para outra mulher, mas também quando olha com o mesmo olhar para a sua
própria esposa. Nesse sentido o homem pode sim cometer adultério ‘em seu
coração’ com a própria esposa. Por quê? Porque o casamento não pode ser
simplesmente uma justificativa para a luxúria, para a autogratificação. Usar a
própria esposa meramente como fonte de satisfação sexual não é correto do ponto
de vista do projeto divino. Nesse sentido, é que muitas mulheres, por exemplo,
percebem quando estão sendo usadas somente como objetos e acabam por rejeitar o
ato sexual com o marido, alegando, por vezes, estarem com ‘dor de cabeça’ ou
‘mal-estar’.
Para finalizar, disso tudo que dissemos,
podemos perceber que todo ato sexual, mesmo no matrimônio, deve ser a expressão
plena do amor divino. Qualquer outra coisa contrária a isso, é apenas uma
falsificação do amor verdadeiro que Deus infundiu no próprio ser do homem e da
mulher. Amor esse que só poderá ser vivido plenamente na autodoação mútua dos
esposos, na disposição de nossas energias ao serviço do outro, de Cristo, da
Igreja. O amor como serviço, doação, entrega, oferta, é a chave para aproximarmo-nos
do amor redentor de Cristo e assim vivermos plenamente a nossa sexualidade.
Pe. Idamor da Mota
Júnior
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