Na sua discussão com os fariseus, Jesus exige deles sempre
uma nova moralidade que vá além do mero seguimento de normas. Lembremos suas
palavra no sermão da montanha: “Ouvistes
o que foi dito: não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: todo aquele que
olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu
coração” (Mt 5,27-28). Com relação à essas palavras de Jesus o Papa diz que
a “alusão ao coração põe em evidência a dimensão da interioridade humana, a
dimensão do homem interior, própria da ética, e mais da teologia do corpo”.
Jesus então, começa a preparar o homem para uma nova
moralidade quando ele diz: “Se a vossa
justiça não for maior do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino
dos céus” (Mt 5,20). Por que Jesus usa os escribas e fariseus como
exemplos? Justamente esses que eram considerados os mais justos e os mais fiéis
seguidores da Lei? A crítica de Jesus está justamente neste ponto. Para muitos
fariseus e escribas suas atitudes no cumprimento rigoroso da Lei não passava de
mera exterioridade. E Jesus sabia disso, porque embora eles seguissem a ética
rigorosa da Lei, seus “etos” não viviam de acordo com o que praticavam.
Precisamos saber então a diferença entre ‘ética’ e ‘etos’. A
grosso modo a ética está relacionada ao conjunto de valores aceitos e vividos
por um grupo social humano que geralmente é colocado como norma (moral). O
‘etos’ ou ‘ethos’ está relacionado aos valores apreendidos e vividos por um
indivíduo em particular. Desse modo, por exemplo, pode haver uma ética vigente
dentro de uma sociedade que não seja o ‘etos’ particular de um indivíduo. Daí a
crítica de Jesus com os fariseus e escribas. Estes seguiam rigorosamente a
ética da lei, mas seus ‘etos’ continuavam tortos.
Ora, sabemos que é possível seguirmos regras sem jamais
entendê-las ou aceitá-las interiormente. A esse seguimento rígido de regras
chamamos de ‘legalismo’ ou ‘moralismo’. Por causa dessa disparidade entre o que
está no coração e o que se vive exteriormente é que Cristo, no sermão da
montanha, nos convida para vivermos algo bem diferente: para uma moralidade que
brote do coração.
Assim, podemos afirmar que o ‘ethos’ de um indivíduo se
forma dentro do seu caráter; que nada mais é do que o mundo interior de
valores, virtudes, hábitos e até mesmo vícios. Então, no sermão da montanha,
assim como em todas as suas pregações, Cristo não está só preocupado em nos
transmitir um código de ética, mas quer que assimilemos no interior do nosso
coração os valores mais profundos de suas palavras e dos próprios Mandamentos
de Deus.
Quando Ele se refere ao adultério, por exemplo, Ele sabe que
por muitas vezes os homens ouvem e conhecem o que ético ou normativo: “não
cometerás adultério”. Porém, podem acabar cometendo adultério não só em ato
como em desejo (luxúria). E isso porque o caráter do homem é falho, ou seja,
seu ‘etos’ não está em consonância com a ética.
Porém, aqui está o grande ensinamento de Cristo. Mesmo
sabendo que o coração do homem pode ceder à luxúria, Ele insiste em dizer: “Não
ceda à Luxúria!”. À primeira vista isso parece ser simples, mas na nossa
experiência cotidiana não é sempre assim. O que fazer então? É aqui justamente
que o Evangelho de Cristo vem ressoar como a Boa Nova, porque, segundo o Papa,
o ‘caráter novo’, proclamado por Cristo no Sermão da Montanha, não nos é dado
somente como tarefa, mas sim como dom. Em outras palavras, não estamos à mercê
de nossas fraquezas e pecados, mas é o Espírito do Senhor que pode nos moldar e
mudar nossos desejos. Por isso o Papa vem nos dizer que “o caráter cristão identifica-se pela transformação da consciência e das
atitudes tanto do homem como da mulher, de forma a expressar e realizar o valor
do corpo e do sexo conforme o plano original do Criador”.
Eis aqui a grandeza desse ensinamento de Cristo: não somos
reféns da luxúria e de nenhum outro pecado em geral. Em Cristo somos livres. A
Boa Nova de Cristo consiste exatamente em sermos livres para amar segundo o
plano de Deus. E quando deixamos o Espírito do Senhor moldar o nosso coração,
experimentamos essa liberdade como uma ‘moral viva’, na qual realizamos o
verdadeiro sentido de nossa humanidade. Portanto, para vivermos sempre mais
essa liberdade dos filhos de Deus é preciso unirmo-nos sempre mais à pessoa de
Cristo para que o nosso etos seja tal qual o dele.
Pe. Idamor da Mota Jr
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