No artigo passado falávamos que o ser
humano, e particularmente a sua sexualidade, impressa em seu corpo, é expressão
da bondade de Deus. E “Deus contemplou
sua obra e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Em outras palavras, o ser
humano participa da bondade de Deus porque está inserido no plano de amor que o
Criador traçou para ele; e esse plano de amor divino está inscrito no próprio
corpo. Por causa dessa bondade do Criador expressa em nosso corpo, trazemos
como consequência, um “dom” original e fundamental inscrito no mesmo.
Para entendermos esse conceito de “dom”
original é preciso entendermos que a santidade de Deus é o seu eterno mistério
de amor existente entre o Pai, Filho e Espírito Santo. Esse amor existente na
Trindade Santa é um amor perfeito que é totalmente doado entre eles, formando
assim um intercâmbio único de amor. Assim, entendemos que o amor é
essencialmente “dom”, “doação”, “entrega”. Analogamente, o homem, enquanto
imagem e semelhança de Deus, traz inscrito em si mesmo, e precisamente no seu
corpo, o dom do amor de Deus. O Papa João Paulo II recorda em suas catequeses
uma passagem do Concílio Vaticano II que nos ajuda a entender essa afirmação: “O homem só pode descobrir plenamente seu
verdadeiro eu na doação sincera de si mesmo” (GS, 24). Em outras palavras,
só conseguimos entender quem somos através da expressão do dom de si mesmos, ou
seja, amando como Deus ama. Daí o mandamento de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). E também as
palavras da última ceia: “Isto é o meu
corpo, que é dado por vós” (Lc 22,19). Aqui vemos a grandeza do amor
espiritual pelo outro, e também vemos como o amor se expressa e se realiza no
próprio corpo. Cristo nos ama tanto ao ponto de oferecer o seu próprio corpo na
cruz e na espécie Eucarística. Da mesma maneira, Deus gravou em nossos corpos –
em nossa sexualidade – o chamado ao amor divino.
A esse “amor-doação” que experimentamos nos
nossos próprios corpos o Papa chama de “significado esponsal do corpo” – também
podemos chamá-lo de “amor nupcial”, “amor matrimonial” ou “amor conjugal”. O
significado esponsal do corpo é, portanto, a sua “capacidade de expressar o amor: precisamente aquele amor no qual a
pessoa se torna um dom e – através desse dom – realiza o verdadeiro significado
de seu ser e de sua existência” (TdC 15). Daí, entendermos que o corpo,
manifestado em sua masculinidade ou feminilidade, é uma testemunha clara de que
a criação é essencialmente um dom de Deus, e portanto uma testemunha de que o
Amor é a fonte da qual brota esse mesmo “doar-se” (cf. TdC 14).
Por isso, homem e mulher são chamados a
manifestar o amor divino nessa dimensão espiritual, percebendo que seus corpos
são expressão desse mesmo amor e, portanto, devem acolher um ao outro como um
verdadeiro dom de Deus. Sabemos que depois do pecado original o amor inscrito
por Deus sofreu muitas distorções, mas nem por isso homem e mulher perderam o
significado esponsal do próprio corpo. Mesmo que esse significado sofra e venha
a sofrer muitas distorções, ele sempre existirá e permanecerá como o nível mais
profundo no ser humano, que precisa ser revelado e manifestado em toda a sua
verdade e pureza, como sinal da “imagem de Deus” inscrita no corpo.
Partindo desse conceito, se alguém está a procura
do sentido da sua própria vida, esse sentido pode ser encontrado na pessoa
mesma, ou seja, no próprio corpo, mais precisamente na sua sexualidade. Isso porque
nossa sexualidade em si mesma expressa o amor de Deus impresso em nós, e é só
através do amor simples e verdadeiro, enquanto sincera doação de si mesmo, é
que o ser humano realiza-se dentro do plano de Deus. O simples fato de sermos
diferenciados sexualmente nos nossos corpos evidencia o plano de Deus onde
homem e mulher são feitos para serem um dom recíproco. E mais ainda, a mútua
doação de amor entre homem e mulher gera um “terceiro”, ou seja, leva à geração
de uma nova vida, confirmando a orientação de Deus que diz “sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn
1,28). Mas isso não é mera imposição de Deus para procriação da espécie. Isso
significa que a paternidade e maternidade “coroam” plenamente o mistério da
sexualidade humana. De acordo com o Papa, nessa perspectiva homem e mulher
realizam sua vocação para amar à imagem de Deus e assim “realizar o sentido próprio do nosso ser e da nossa existência”.
Em resumo, o amor esponsal é sempre
fecundo, seja a nível espiritual ou conjugal. E por ser fecundo, nenhum casal
que assuma verdadeiramente um ao outro como autêntico dom de Deus, jamais pode
recusar ou impedir ou colocar barreiras para que essa fecundidade seja
realizada através da geração de filhos, porque os filhos são os maiores dons
recebidos da mútua doação de um ao outro. Os filhos são dons de Deus, um
verdadeiro presente de Deus, e como tal não podem ser recusados jamais. Se
usarmos a lógica humana, pensemos como se sentiria alguém que quer dar um
presente, mas o receptor desse presente reluta em aceitá-lo ou até mesmo o
rejeita. Assim acontece com aqueles que recusam cada vez mais aceitar o dom de
Deus em seus matrimônios.
Pe. Idamor da Mota
Júnior
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