segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sobre as uniões do mesmo sexo


Recentemente fui questionado sobre a razão pela qual um “casal” homossexual não pode ser considerado como família assim como foi prevista na decisão do STF (Supremo Tribunal Federal). Eis aqui a minha resposta pessoal que julgo estar em consonância com a posição da Igreja Católica.
Para a Igreja a instituição familiar é de tal importância que torna-se a base vital para a sociedade. A família é, por definição, constituída por um homem e uma mulher, unidos em matrimônio, juntamente com seus filhos. De acordo com a doutrina do Catecismo da Igreja Católica essa configuração familiar “precede todo e qualquer reconhecimento por parte da autoridade pública e impõe-se a ela” (CIC n. 2202) ou ainda como foi expresso pela nota da CNBB “o matrimônio natural entre o homem e mulher bem como a família monogâmica constituem um princípio fundamental do Direito Natural”. Ambas afirmações partem do princípio de que o matrimônio, como união entre um homem e uma mulher, é uma instituição natural porque assim foi criada e querida por Deus: “Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental” (CIC n. 2203). Desse modo a união de pessoas do mesmo sexo jamais poderá ser considerada como família porque parte do princípio de que o ser humano, enquanto criado por Deus como homem e mulher, é intrinsecamente ordenado para uma complementaridade e reciprocidade que marcam a estrutura essencial da nossa humanidade como masculino e feminino. Em outras palavras, o homem e a mulher são orientados naturalmente um para o outro, tanto e de tal modo que  o nosso próprio corpo, enquanto masculino ou feminino, já traz a marca dessa estrutura manifestando a nossa identidade originária. Portanto, “a diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural” (nota da CNBB) como afirma a cultura pansexualista que se quer promover hoje na sociedade, o que reduz a sexualidade humana a simples objeto de prazer ou de opções, desvalorizando-a e sem buscar uma profunda significação da mesma. Além do mais, a família, como célula originária da vida social, tem como finalidade a procriação e educação dos filhos. Tal missão da família, cuja estrutura tem se mostrado eficaz ao longo da história humana, não pode ser equiparada a uniões de pessoas do mesmo sexo, pois fazê-lo seria descaracterizar sua identidade e ameaçar a estabilidade da mesma. Tem sido assim ao longo da história humana e nas sociedades, o que coloca a família como um “recurso humano e social incomparável, além de ser uma grande benfeitora da humanidade” (nota da CNBB). Sob o ponto de vista cristão a instituição familiar assume um papel tão fundamental que o próprio Deus quis abençoar o matrimônio e elevá-lo à dignidade de Sacramento, desse modo homem e mulher são chamados a assumir uma missão bela e única enquanto desígnio divino de serem uma só carne e de frutificarem e multiplicarem-se de acordo com a vontade do Criador (cf. Gn 1,27; 2,24).
Uma outra pergunta com relação ao tema diz respeito à alegação do STF de que a sua decisão teria base numa nova configuração da sociedade. O Ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, foi totalmente a favor a decisão. Segundo ele, a “dignidade humana é a noção de que todos, sem exceção, têm direito a uma igual consideração”. Por que permitir uma união homoafetiva não seria promover a dignidade humana?
Vale ressaltar aqui a interpretação e o conceito que se tem de dignidade humana que ao meu ver ficou tão banalizado de tal modo que é usado hoje em dia para se argumentar todo e qualquer tipo de “direito” que se queira reivindicar. O princípio filosófico que rege esse conceito foi cunhado principalmente pelo filósofo Immanuel Kant que basicamente defendia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas e não como meios ou objetos. Desse modo a dignidade humana pode ser entendida, em outras palavras, como um valor moral ou espiritual inerente à pessoa humana. Isso significa que buscar a dignidade humana significa antes de tudo buscar conhecer a natureza do próprio ser humano. O que eu posso conhecer, fazer ou esperar, depende da minha própria condição humana. Assim, não tem sentido dizer que a união de duas pessoas do mesmo sexo promove a dignidade humana das mesmas porque a dignidade não está baseada somente em direitos adquiridos pelo meio legal e jurídico, mas tem a ver primeiramente com a busca do conhecimento da natureza da pessoa humana. Nesse caso específico, deveria discutir-se primeiramente a autenticidade de tal união considerando-se a natureza da constituição originária do ser humano que é um ser sexuado nas formas masculina ou feminina. O fato de não se considerar ou não reconhecer uniões de pessoas do mesmo sexo não implica em hipótese alguma negar a dignidade das pessoas em questão, pois as mesmas já tem sua dignidade pelo simples fato de serem pessoas. Isso sim dever ser respeitado e considerado, por isso a legislação deve evitar qualquer forma de “discriminação e violência que firam a dignidade da pessoa humana” (CIC 2358). Não concordar ou não reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo sob a forma de matrimônio, de forma alguma pode ser considerado discriminação muito menos “homofobia” como alguns querem afirmar hoje. Primeiramente porque cada um de nós é livre para expressar aquilo que pensamos e opinamos; por isso, alguém dizer que é contra tais tipos de uniões faz parte do exercício dessa liberdade de expressão que é inerente a cada indivíduo num estado democrático e de direito; segundo, de acordo com o ponto de vista Cristão e da Igreja, conforme o que já foi exposto acima, o princípio da instituição familiar afirma que a mesma é de natureza divina e de acordo com o próprio texto da nossa Carta Magna é uma “entidade constituída pela união de um homem e uma mulher e seus descendentes” (art. 226, § 1º, 2º, 3º, 4º e 5º), texto este que os próprios constituintes, na época dos debates de elaboração, inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união de pessoas do mesmo sexo. Assim, escreveu recentemente o advogado Ives Gandra da Silva Martins: “aos pares do mesmo sexo não se exclui nenhum direito, mas decididamente, sua união não era – para os constituintes – uma família”. O mesmo afirma ainda que questão idêntica foi colocada recentemente (27/01/2011) à Corte Constitucional da França, que por sua vez teve a prudência de declarar que cabe ao Legislativo e nunca ao Judiciário legislar sobre uniões do mesmo sexo, “pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens e duas mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar”. Ao meu ver, o que se reivindica hoje como reconhecimento pelo Estado é simplesmente uma apropriação indevida, por parte de um pequeno grupo, de uma instituição que historicamente, socialmente, culturalmente e espiritualmente tem se afirmado como fundamental na constituição social humana.
                                         (Pe. Idamor da Mota Jr)

terça-feira, 15 de março de 2011

Uma Alarmante e Grave Injustiça

Arcebispo Dolan chamou de “alarmante e grave injustiça” a recusa por parte do Governo Norte Americano de defender o chamado “Ato de Defesa do Matrimônio”.

Washington (03 de Março, 2011)

“Nossa nação e o Governo têm o dever de reconhecer e proteger o matrimônio, e não de interferir e redefini-lo, nem de caricaturar as mais profundas crenças de tantos cidadãos como ‘discriminatórias’”, disse o Arcebispo Timothy Dolan de Nova York, presidente da Conferência Episcopal Católica Americana. Seu pronunciamento se deu no dia 23 de fevereiro após o anúncio de que o Presidente Obama instruiu o Departamento de Justiça a parar a defesa do chamado ‘Ato de Defesa do Matrimônio’ (Defense of Marriage Act – DOMA). Uma ação que o Arcebispo Dolan chamou de ‘alarmante e grave injustiça’.

À título de informação o ‘Ato de Defesa do Matrimônio’ (Defense of Marriage Act – DOMA) é uma lei federal dos Estados Unidos assinada pelo Presidente Bill Clinton em 21 de Setembro de 1996 aonde o Governo Federal define o matrimônio como uma união legal entre um homem e uma mulher. Sob essa lei nenhum estado (ou outra subdivisão política dentro dos Estados Unidos) pode ser obrigado a reconhecer como um matrimônio um relacionamento de pessoas do mesmo sexo que seja considerado matrimônio em um outro estado. Vale lembrar que a lei foi aprovada com uma larga maioria de votos em ambas as casas do Congresso. O motivo da decisão do Presidente Obama é que o mesmo acredita que a cláusula da lei que define o matrimônio como uma união entre um homem e uma mulher é inconstitucional porque viola o chamado componente de “proteção igualitária” da Quinta Emenda da Constituição Norte Americana. Desse modo, ele quer que as uniões de mesmo sexo, reconhecidas em alguns estados como “matrimônio”, possam ser reconhecidas em todos os outros estados como tal.

- Leia a seguir o pronunciamento completo do Arcebispo Dolan:

O anúncio do dia 23 de Fevereiro de que o Presidente Obama instruiu o Departamento de Justiça a parar a defesa do chamado ‘Ato de Defesa do Matrimônio’ é uma alarmante e grave injustiça. O matrimônio, a união de um homem e uma mulher como esposo e esposa, é uma instituição singular e insubstituível. Somente um homem e uma mulher são capazes de realizar a união ‘de dois em uma só carne’ enquanto marido e mulher. Somente um homem e uma mulher têm a capacidade de trazer filhos ao mundo. Juntamente com essa capacidade vêm a responsabilidade, o que a sociedade historicamente reforça com leis que unem mães e pais entre si e estes aos seus filhos. Esta unidade familiar representa a célula mais básica e vital de qualquer sociedade, protegendo o direito da criança de conhecer e de ser conhecida, de amar e de ser amada, por seu pai e mãe. Assim, o matrimônio representa a base do bem comum da sociedade, seu próprio fundamento e futuro.

Ao contrário do pronunciamento do Secretário Geral de Justiça, o ‘Ato de Defesa do Matrimônio’ não seleciona pessoas baseado em “orientação” sexual ou inclinação sexual. Toda pessoa merece ser tratada com justiça, compaixão e respeito, o que é uma proposição da lei natural e da lei Norte Americana que, nós como católicos, promovemos. Discriminação injusta contra qualquer pessoa é sempre errado. Mas o ‘Ato de Defesa do Matrimônio’ não é uma “discriminação injusta”; pelo contrário, ele simplesmente afirma e protege o significado testado pelo tempo e inalterável do matrimônio. A sugestão de que essa definição adiciona algo de “discriminatório” é grosseiramente falsa e representa uma afronta a milhões de cidadãos neste país.

A decisão também prova não ser do senso comum. Está longe de ser “discriminação” dizer que marido e mulher têm um relacionamento único e singular; relacionamento este que duas pessoas do mesmo sexo – ou qualquer outras pessoas não casadas – simplesmente não têm e nem podem ter. Não é “discriminação” acreditar que a união de marido e mulher tenha um significado exclusivo e distinto merecedor de promoção e proteção por parte do Estado. Não é “discriminação” dizer que ter um pai e uma mãe faz a diferença e beneficia a criança. Não é “discriminação” dizer que o Estado não tem mais do que zero de interesse em assegurar que crianças sejam intimamente relacionadas e educadas por seus pais e mães.

Proteger a definição do matrimônio não é meramente permissível, mas na verdade necessário como uma questão de justiça. Ter leis que afirmam a importância vital de pais e mães – leis que reforçam, e não que deterioram, o ideal de que crianças dever ser educadas por seus próprios pais e mães – é essencial para qualquer sociedade justa. Tais leis servem não somente ao bem dos esposos e de seus filhos, mas ao bem comum. Tais leis agora estão sob incessante ataque. Se esquecermos o significado do matrimônio, esqueceremos o que significa ser uma pessoa humana, o que significa ser um homem e uma mulher. Será que chegamos tão longe em nossa sociedade ao ponto de esquecermos a importância de homens e mulheres, e destruirmos a instituição mais central para nossas crianças e para o nosso futuro?

A atual posição do Governo não é somente uma grave ameaça ao matrimônio, mas à liberdade religiosa e à integridade de nossa democracia também. Nossa nação e governo têm o dever de reconhecer e proteger  matrimônio, não de interferir e redefini-lo, nem caricaturar as mais profundas crenças de tantos cidadãos como sendo “discriminatórias”. Em nome da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos expresso minha profunda decepção sobre a recente decisão do Governo. Já escrevi essas minhas preocupações ao Presidente em correspondência separada e rezo para que ele e o Departamento de Justiça possam ainda fazer a escolha certa para cumprirem com suas responsabilidades constitucionais, defendendo a insubstituível instituição do matrimônio e, assim feito, proteger as futuras gerações de nossas crianças.

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(Traduzido por Pe. Idamor da Mota Jr)

terça-feira, 8 de março de 2011

Aborto: Questão de Saúde Pública

É recorrente o argumento de que é preciso encontrar solução para o aborto, porque se trata de uma questão de saúde pública. Colocado dessa forma, concordo plenamente.

Não penso, entretanto, que a solução possa estar na chamada descriminalização, pois isso só faria agravar o problema, como vem ocorrendo em outros países.

Diz o Ministério da Saúde que acontecem no Brasil entre 1 e 1,5 milhão de abortos por ano. Escapa-me como pode ser feita essa estatística, tratando-se de prática clandestina, mas tomemos a afirmativa como verdadeira. Uma prática que ceifa 1,5 milhão de vidas por ano é, certamente, grande problema de saúde pública. Nenhuma doença tem números tão altos. No Brasil e no mundo, o aborto é hoje a maior causa mortis. Não entra nas estatísticas, já que a criança não nascida não é registrada, não tem nome nem atestado de óbito, mas a falta de registro não muda o fato de que ela viveu - por maior ou menor tempo - e morreu, deixando uma história gravada na memória de seus pais e de outras pessoas. Essas existências truncadas trazem grande ônus social, ao qual pouca atenção se presta.

O aborto também traz grandes males, físicos e psíquicos, para a mulher que aborta. Permitam-me uma comparação um pouco chocante, mas ilustrativa. Dados os males provocados pelo fumo, em alguns lugares proíbe-se fumar. Há quem concorde e quem discorde, quem obedeça ou desobedeça. O pulmão do fumante, entretanto, não distingue entre o cigarro legal e o ilegal.

No caso do aborto, a legalização evitaria algumas complicações decorrentes das condições da prática clandestina.

Entretanto, os principais efeitos nocivos do aborto continuariam a ocorrer, como se pode demonstrar com os dados obtidos em países nos quais a prática não é considerada crime na legislação vigente.

Nesse caso não se trata de suposições e extrapolações, mas de estudos científicos publicados em revistas médicas.

Nos Estados Unidos, mulheres que se submeteram ao aborto provocado apresentam, em relação às que nunca fizeram um aborto: 250% mais necessidade de hospitalização psiquiátrica; 138% a mais de quadros depressivos; 60% a mais quadros de estresse pós-trauma; sete vezes mais tendências suicidas; 30 a 50% mais quadros de disfunção sexual.

Além disso, entre as mulheres que fizeram um aborto, 25% exigem acompanhamento psiquiátrico em longo prazo.

Em dezembro do ano passado o British Journal of Psichiatry publicou pesquisas realizadas na Nova Zelândia, que mostraram existir 30% mais problemas mentais em mulheres que fizeram aborto induzido.

O coordenador do trabalho, dr. David Fergusson, admite que era favorável ao aborto por livre escolha, mas que estava repensando a sua posição em função dos resultados obtidos.

Outro dado preocupante é que a legalização acaba por aumentar significativamente o número de abortos. A Espanha traz-nos um exemplo expressivo.

Em 2008, o editorial do jornal El País comentou que há na Espanha "demasiados abortos". Entre 1997 e 2007, o número de abortos mais que dobrou. Entre 2006 e 2007, houve incremento de 10%. Além disso, uma em cada três mulheres que abortaram em 2007 já haviam abortado anteriormente, uma ou mais vezes. Isso demonstra a banalização da prática. El País comenta que o aborto é "percebido por muitos jovens como um método anticoncepcional de emergência, quando é uma intervenção agressiva que pode deixar sequelas físicas e psicológicas".

Sobre as sequelas psicológicas, já comentei acima. Sobre as físicas, há estudos que mostram maior risco de doenças circulatórias, doenças cérebro-vasculares, complicações hepáticas e câncer de mama. A gravidez posterior também fica comprometida, com maior incidência de placenta prévia, parto prematuro, aborto espontâneo e esterilidade permanente.

A solução não está em facilitar o aborto, legalizando-o, mas, pelo contrário, em inibi-lo. Manter a legislação vigente, acabar com a impunidade das clínicas e da venda clandestina de abortivos e, principalmente, fazer um trabalho educativo de valorização da vida.
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Artigo publicado no Correio Braziliense, 31/08/2009

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

“TWIBLINGS”: a última novidade em procriação artificial


Por Dom Antonio Augusto Dias Duarte
Uma novidade nem sempre corresponde a uma nova realidade dentro do plano criador de Deus. A criação é, segundo a revelação bíblica que fundamenta a fé católica, um momento de descobrimento do grande e sempre novo achado: a paternidade de Deus.

Criar é um ato amoroso, paterno e divino, pleno de sentido para o ser criado e para toda a natureza, principalmente para o ser humano e para a sociedade humana.

A verdadeira e perene novidade que assombra o mundo é a participação profunda e autêntica do homem e da mulher na paternidade de Deus. Ser pai e ser mãe transcende, eleva-se, ultrapassa todas as dimensões biológicas e técnicas da procriação artificial, e não porque faltem essas dimensões dentro do processo de transmissão da vida, mas porque a paternidade e a maternidade projetam as pessoas para a dimensão única e original do ser humano, que é a sua autêntica identidade.

Um filho tem a sua identidade pessoal formada e amadurecida quando as identidades dos seus genitores mantêm-se puras e inquestionáveis.

Recentemente a mídia internacional noticiou o nascimento de um casal de gêmeos, cujo nascimento deu-se num intervalo de cinco dias. Essas crianças nasceram de duas mães que alugaram seus úteros para a mulher que desejou ser mãe depois dos 41 anos, quando decidiu pelo casamento após uma carreira profissional cheia de sucessos.

Depois de seis tentativas de fertilização artificial com transferência de embriões concebidos para o seu próprio útero, mas que morriam prematuramente, essa mulher de sucesso concebeu uma estratégia para ter a certeza do seu êxito gestacional.

Conseguiu uma doadora de óvulos, garantiu os espermatozóides do seu marido, alugou duas barrigas para a gestação do “twiblings”, termo composto pela palavra twin (gêmeos) com a palavra sibling (irmão), e a estratégia gestacional alcançou o seu sucesso laboratorial e econômico.

A mulher que doou os seus óvulos comprou um carro zero com o dinheiro que recebeu. As locadoras do corpo para a gestação, casadas e com filhos, cujos maridos aprovaram o negócio feito através de uma agência promotora desses encontros de barrigas de aluguel, comprometeram-se a amamentar com seu leite os irmãos portadores do mesmo material genético e com a diferença temporal de nascimento.

O sucesso gestacional foi conseguido, mas várias questões não se levantaram durante toda essa negociação. Uma mãe é a educadora, outra mãe é a doadora dos óvulos, outras duas mães são as gestantes e uns homens são os espectadores dessa última novidade em matéria de procriação artificial.

Os filhos quem são em todo esse processo? Como esses irmãos gêmeos vão reagir ao serem perguntados sobre suas identidades pessoais? De quem são filhos realmente? Quais serão os impactos psicológicos decorrentes dessa busca insaciável de êxito gestacional?

Quando se perde a noção de participação no poder criador de Deus, perde-se também a noção da paternidade e da maternidade autênticas e, consequentemente, vai-se transformando a procriação numa delegação substitutiva.

Sem perder de vista a legitimidade do desejo de serem pais, e compreendendo todo o sofrimento decorrente da infertilidade, entretanto, não se pode deixar de considerar a dignidade da procriação humana.

Nela não ocorrem apenas uniões de gametas, nem sequer um processo gestacional em qualquer barriga, mas nela acontece o ato pessoal mais significativo para uma família.

O ato pessoal do casal homem-mulher que se abre certamente a um fenômeno biológico cada vez mais conhecido, também e principalmente se abre seguramente a um fenômeno humano muito mais significativo, que é o da individualização do filho e, consequentemente, o fenômeno da socialização da pessoa em e a partir da sua família.

A novidade do twiblings pode tornar-se corriqueira e não chamar mais a atenção da mídia, entretanto essa forma de ter filhos tão desejados vai introduzir na humanidade o fenômeno mais antissocial e mais confuso que se pode pensar: a despersonalização da família.

Uma família despersonalizada criará uma sociedade desestruturada, e uma sociedade desestruturada causará um mundo desequilibrado, onde os seres humanos passarão a ter os seus valores considerados a partir de êxitos ou fracassos ocorridos nos negócios onde cada pessoa será um produto de última, penúltima ou antepenúltima geração.

Será esse o mundo que Deus criou e confiou à humanidade para que descobrisse todas as maravilhas presentes nele?

Essa resposta e as demais que devem ser dadas às questões acima levantadas sobre a identidade dos bebês gerados artificialmente reclamam da sociedade atual a atitude aberta à verdade sobre o homem e a mulher como corresponsáveis com Deus pela vida humana e o amor sincero pelas crianças, criaturas que merecem muito respeito pelo direito fundamental de serem criadas através do ato mais humano e divino, que é o da doação interpessoal no matrimônio.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sexo na Adolescência: Controle ou Incentivo?

A orientação sexual na adolescência ganha cada vez mais importância. Mais do que transmitir que sexo por sexo é fuga e sexo com consciência é amor, discutir as formas de relacionamento entre adolescentes é também uma das grandes preocupações da sociedade. Causa estranheza observar o descaso e o desrespeito com que o assunto ainda é tratado. Nem é preciso ser um especialista para perceber a discrepância das atitudes.

Uma médica pediatra de Fortaleza confidenciou recentemente que meninas pré-adolescentes são incentivadas pelos próprios parentes a engravidar, a fim de receber a verba do Programa Bolsa-Família. Em Porto Alegre (RS), uma parceria entre a prefeitura e a ONG Instituto da Mulher Consciente inicia um programa de implante de anticoncepcionais para prevenção de gravidez prematura em 2.500 adolescentes (entre 15 e 18 anos). Obviamente, meninas mais humildes serão o foco do projeto, dado sua condição econômica e vulnerabilidade social.

Atitudes desse gênero sucitam o questionamento: será que essas iniciativas assistenciais irão ajudar de alguma forma a baixar o alto índice de gravidez precoce? Ou, ao contrário, acabam incentivando ainda mais a prática sexual entre adolescentes?

A sociedade vem se preocupando em proporcionar segurança e liberdade sexual para os adolescentes, mas não consegue orientar adequadamente os representantes do futuro da nação sobre o assunto. Isso sem contar a forma com que o tema é tratado na mídia, principalmente em novelas, filmes nacionais e em programas de auditório.

Por que as autoridades não promovem mais ações éticas e humanas para os adolescentes, especialmente os mais pobres? Devemos repudiar qualquer possibilidade de que sejam tratados como meros animais de reprodução, que podem fazer sexo à vontade e sem perigo.

No caso de Porto Alegre, o anticoncepcional que será aplicado nas adolescentes evita a gravidez por três anos. O implante ocorre com o uso de anestesia local sob a pele do braço. Durante o tempo previsto, o bastonete vai liberar hormônio diariamente na corrente sangüínea, a fim de inibir a ovulação. Que conseqüências esse medicamento trará para a saúde das meninas?

Especialistas da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul já alertaram para um possível relaxamento no uso de preservativos por parte das adolescentes que participam do programa. Sem contar que, associada à distribuição gratuita dos preservativos e da abortiva “pílula do dia seguinte”, a liberdade de atos sexuais entre adolescentes torna-se cada vez mais normal, na visão deles, como um incentivo à promiscuidade.

O ser humano não deve ser considerado apenas como um corpo. Sua alma necessita de afago. A simples promoção de sexo acintoso, sem responsabilidade e sem compromisso, também incita conseqüências trágicas como milhões de meninas gerando filhos, sendo violentadas, prostituindo-se à beira das estradas, crianças abandonadas por pais e mães despreparados para formar uma família e postadas em faróis à procura do sustento de cada dia. É claro, quem planta vento, colhe tempestades.

A moral e a ética exigem que ensinemos aos jovens o autocontrole de suas paixões intensas. Que devem vencer a Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis com atos responsáveis, e não pelo uso da camisinha. João Paulo II assim se expressou sobre a camisinha: “Além de o uso de preservativos não ser 100% seguro, liberar o seu uso convida a um comportamento sexual incompatível com a dignidade humana… O uso da chamada camisinha acaba estimulando, queiramos ou não, uma prática desenfreada do sexo… O preservativo oferece uma falsa idéia de segurança e não preserva o fundamental”.

Devemos incentivar a formação de famílias com conceitos, raízes e sentimentos puros e morais. Conservadora ou não, a família é o sustento do espírito e a fonte de conforto nos anseios individuais. A sociedade, de uma maneira geral, deve ter mais cuidado com o que simplesmente “controla a transmissão de doenças e evita filhos indesejados”. Ela deve transmitir princípios e valores através da orientação, em busca do resgate das origens e do respeito a moral e a ética. A satisfação do sexo não está restrita ao corpo, ela deve estar atrelada ao coração, espírito e mente.

* Prof. Felipe Aquino

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Filosofia, Religião e Sexualidade: Uma Reflexão em Sentido Filosófico-Teológico

(Professor Ricardino Lassadier*)

Inicialmente gostaria de agradecer o convite e, ao mesmo tempo, enaltecer o espírito democrático que os motiva, já que estão dispostos a ouvir alguém que vai falar o contrário do que está sendo dito até aqui. Com todo respeito, mas com franquesa gostaria de esclarecer que nossa fala se dará na “contra-mão” da homo-afetividade, nossa palestra é a manifestação de uma concepção inteiramente discordante, porém, não preconceituosa. Aliás este é o primeiro ponto que necessita de esclarecimento e servirá como partida para nossa conversa. Mas antes de definirmos o preconceito, cabe uma sucinta consideração: Pretendemos evidenciar os princípios (filosóficos e teológicos) que não torna possível o apoio da Igreja Católica e do Cristianismo como um todo ao que se refere a homo-afetividade.   
 
Preconceito: Uma breve consideração filosófica
 
Esta é uma das palavras mais usadas em nossos dias. Normalmente esta palavra é empregada para expressar discordância acerca de e algo. Dizendo de outro modo, no senso comum denomina-se “preconceito” como sendo qualquer pensamento ou ideia divergente. Mas será mesmo assim? Será que todos sabemos o que é realmente preconceito? Será que pelo simples fato de uma pessoa discordar de outra constitui preconceito? Na contemporaneidade é ideia mais ou menos comum a concepção de que a religião é área fértil de preconceitos, particularmente ao que se refere à sexualidade. Será mesmo? Vamos inicialmente procurar identificar alguma características do “preconceito” e depois buscar estabelecer uma definição.
O “preconceito” caracteriza-se por ser uma categoria de comportamento e de pensamento que nasce da vida cotidiana social. O “preconceito” é um juízo cotidiano que brota da vida social e constitui-se como uma ultrageneralização  esterotipada, em outras palavras, os juízos “refutados pela ciência e por experiência cuidadosamente analisada, mas que se conservam inabalados contra todos os argumentos da razão, são preconceitos” (HELLER, 1972, p.47). Desse modo o preconceito é muito mais problemático do que uma divergência, uma discordância seja teórica ou comportamental, pois está enraizado no emocional-irracional e em última instancia objetiva a eliminação física do outro. Assim, há de se considerar que os preconceitos manifestam-se no âmbito pragmático. Dois exemplos podem ser citados de comportamentos e pensamentos preconceituosos: A associação que a mídia faz entre a vida celibatária e a pedofilia. A associação entre homossexualismo e pedofilia. Iniciemos por este último. Não é verdade que a pessoa com tendência ou prática homossexual seja necessariamente pedófila. O que caracteriza a pedofilia não é a relação com a pessoa do mesmo sexo e sim a relação de um adulto com uma criança, de modo que existem pedófilos homossexuais e pedófilos heterossexuais. Também não é verdade que a causa da pedofilia seja a opção por uma vida celibatária. Se assim fosse não haveria casos de pedofilia no âmbito familiar, aliás, sabe-se que a absoluta maioria dos casos de pedofilia acontece por parte de parentes (pais, tios, etc.).  Ao mesmo tempo, associar a causa da pedofilia ao celibato é afirmar que todas as pessoas que não mantiverem relações sexuais regularmente são pedófilas, ou seja, todos seriam potencialmente pedófilos.
 
Religião 
É muito difundida na contemporaneidade a ideia de que a religião, ao tratar da questão da sexualidade, é recheada de preconceitos. Notemos que tal ideia, em si já pode constituir preconceito, visto que parte de um princípio ultrageneralizante e esterotipado.
Há de se considerar que todo agrupamento humano que mereça a denominação de comunidade ou de sociedade tem seus princípios, seus valores. E que invariavelmente diverge de princípios e valores de outros agrupamentos. Tal divergência não pode ser cunhada de preconceito. O homem contemporâneo orgulha-se em se dizer democrático, nossas nações têm orgulho de se dizerem democráticas. Porém, não devemos esquecer que, como diz Jean Lacroix (1968, p. 101) “o homem democrático reconhece-se, antes de tudo pela sua atitude de homem livre. Um país democrático é um país onde nos sentimos calmos, onde o ar social é mais leve, onde cada qual diga-se o que disser, sente a alegria de viver”. Isso posto, vejamos qual a visão da religião acerca da sexualidade.
A religião (aqui refiro-me à minha religião, ao Cristianismo de modo geral e ao Catolicismo de modo particular), tem como referência uma concepção antropológica de cunho filosófico e teológico. Iniciemos com a filosofia, a partir do conceito de Pessoa.
 
O sentido filosófico: A Pessoa humana e a sexualidade.
 
Pessoa, significa o homem em sua totalidade (pluridimensionalidade) existencial (biológica, psíquica, moral, social, espiritual). A noção de pessoa foi semeada na história do pensamento universal pelo Cristianismo que, além da pluridimensionalidade humana, entende pessoa “como ser subsistente, consciente, livre e responsável” (SGRECCIA, 2002, p. 123). O homem é pessoa desde o momento de sua concepção, desde o momento em que tem vida de modo que a pessoalidade é algo constituinte da essência humana, não é um aspecto acessório acidental. Existir como pessoa, segundo Emmanuel Mounier (1976, p.20) “É a mais alta forma de existência, ou que toda a evolução da natureza anterior ao homem convergem no momento criador em que surge este acabamento do universo. Diremos que a realidade central do universo consiste num movimento de personalização...”.
O universo, toda a criação em certo sentido, se faz presente na pessoa humana! Quando a pessoa humana pensa, questiona-se e busca entender todo o mundo criado, é o próprio universo, é a própria criação procurando compreender-se através da pessoa humana, por isso todo o universo criado converge para o homem. Ou, como nos explica Elio Sgreccia (2002, p.129): “Em termos filosóficos, isso quer dizer que na carne e nos ossos humanos há uma alma que é um espírito e que vale mais que o universo todo”. Ser capaz identificar o homem como pessoa implica em reconhecer e afirmar o sentido ontológico do homem, da identidade humana que está para além e independe de qualquer categoria ou qualificação social, política, econômica ou qualquer outra. Nesse sentido, o valor de uma pessoa, sua dignidade não é sujeita a bens, cargos, etc. Todas as pessoas e cada pessoa vale pelo que é por ser pessoa, por existir “na sua não objetivação, inviolabilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade; de pessoa encarnada em um corpo, situada na história e constitutivamente comunitária” (REALE e ANTISERI, 2006, p. 399).
Na pessoa humana, a sexualidade, é reconhecida como uma dimensão que abrange toda sua integralidade, assim da perspectiva filosófica personalista: “Ser sexuado é, então, para o homem e para a mulher um dado original, pois a experiência pessoal não pode deixar de passar desde sua origem – isto é, fecundação – através da masculinidade ou da feminilidade” (SGRECCIA, 2002, p. 304). Isso significa que em sentido filosófico a pessoa humana em sua originalidade sexuada é masculino e feminino, portanto é uma unidade (pessoa humana) dual (necessariamente de diferentes). Destarte, na esfera filosófica aqui apresentada a dimensão que constitui a sexualidade humana em seu sentido original passa tão somente, exclusivamente pelo reconhecimento da comunhão de diferentes, isto é, masculino e feminino.
Outro ponto que merece destaque é o seguinte: sendo a sexualidade uma dimensão da pessoa humana, subtende-se que ela esta inseria em uma realidade maior que é a afetividade. Denomina-se afetividade a capacidade da pessoa amar e também ser amada. Assim sendo a sexualidade é expressão da afetividade (da capacidade de amar e de ser amado). Dom Alberto Taveira em uma entrevista publicada em “O Liberal” (02/05/2010) explica: “Dentro desse quadro afetividade, existe um quadro chamado sexualidade. Ela se manifesta não só fisicamente em todo o sentido. Então a pessoa é homem ou mulher, os dois gêneros. Dentro da sexualidade, então menor do que a sexualidade, é a genitalidade, a capacidade generativa, que existe em todos os seres humanos”.    
 
O sentido teológico: Pessoa humana (masculino e feminino): imagem de Deus. 
 
Textos indispensáveis para tratar sobre o tema que estamos refletindo são as duas narrativas da criação do homem no livro do Genesis. Tais textos serão nossas referências.
A primeira narrativa é a seguinte: “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra’. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra, submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra” (Gn 1, 26-28).
De acordo com a primeira narrativa a criação do homem está inserida no ciclo dos sete dias da criação, isso significa que a criação do homem esta inserida no cíclo cosmológico. Mas em todo o ciclo criacional somente o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Os outros seres foram criados cada um segundo a sua espécie (Gn1, 26-27). De acordo com o Santo Padre João Paulo II, Deus para criar o homem mergulha em si mesmo, ou seja, como não havia mais paradigma algum, o Criador fez de si mesmo modelo para cria a pessoa humana. Assim se expressa o Romano Pontífice: “Antes de criar o homem, o Criador como que reentra em si mesmo para procurar o modelo e a inspiração no mistério de seu Ser, que já aqui se manifesta de algum modo como o ‘Nós divino” (Carta às famílias, 6).
O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, que segundo São João é Amor (cf.1Jo 4,16). Deus é ao mesmo tempo Uno e Trino (cf.Mt 3, 16-17). Então, intra-trinitriamente (entre as Pessoas o Pai, o Filho e o Espírito Santo) reina o Amor. Temos um só e essencial Amor no interior da Trindade, entre as Pessoas de Deus que são diferentes. Ora, se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, então, o homem foi feito por amor e para o amor, no entanto o amor humano pressupõe e requer a diferença entre as pessoas (homem e mulher). A supressão dessa diferença do aspecto teológico obstaculiza a plena realização do amor que implica em comunhão entre diferentes. Ora, a homo-afetividade suprime a diferença, logo não pode refletir, ainda que na contingencialidade do tempo e do espaço a comunhão eterna de Deus.    
Segundo a Escritura “O Senhor Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda (assemelhe)” (Gn 2,18). Essa “correspondência” ou “semelhança” está na comum natureza. Segue a Escritura: “Então, o Senhor Deus fez vir sobre o homem um profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. E o homem exclamou: ‘Esta sim é osso dos meus ossos, é carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque foi tirada do homem!’ Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher e eles serão uma só carne” (Gn 2, 21-24). O Santo Padre João Paulo II (2005, p.69) comenta que esta narrativa “fala primeiro da criação do homem, e só depois da criação da mulher da ‘costela’ do homem, concentra a nossa atenção no fato de o homem ‘estar só’, e isto aparece como um fundamental problema antropológico, anterior, num certo sentido, àquele apresentado pelo fato que tal homem seja masculino e feminino”.
A solidão refere-se a questão existencial e de identidade, de consciência de si, isto é, o homem encontra-se só já que não achou nada (ou ninguém) que “lhe seja semelhante” em todo o reino criado, ao mesmo tempo ele ainda não é capaz de se reconhecer. Observemos na narrativa que ele só se reconhece ao olhar para ela, ou seja, o homem só se reconhece como pessoa humana quando vê aquela que é da mesma natureza, no entanto, diferente de si. É a semelhança encontrada e manifestada na diferença corporal que permite a descoberta da identidade.
Sem encontrar a mulher, o homem continuaria só, e nesse sentido a homo-afetividade representa a solidão que leva à extinção.  Ora, a homo-afetividade não é o encontro com a diferente e sim com o mesmo, logo não possibilita a descoberta da identidade da pessoa humana que é “imagem e semelhança de Deus”. Nesse sentido, a prática homossexual é entendida como grave depravação, contrária à lei natural e intrinsecamente desordenada (cf. CIC, 2357), condenada biblicamente e aos que estão convictos e impetrados em tal prática “não herdarão o Reino dos Céus” (cf.1Cor 6,10;  1Tm 1, 10).   
Fica claro que na perspectiva cristã há impossibilidade – visto que constitui uma contradição essencial – se dizer cristão e militar em favor da homo-afetividade. A Igreja, muito embora sendo radicalmente contra o pecado, jamais rechaça o pecador, ao contrário, deseja sua conversão. Para a Igreja as pessoas com tendência homossexual precisam “ser acolhidas com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que possam encontrar por causa de sua condição” (CIC, 2358). Portanto, talvez o maior desafio não seja a homo-afetividade em si, mas sim a mentalidade subjetivista e relativista que pretende travestir o erro em virtude de modo que, diante da dificuldade ou aparente impossibilidade de solucionar o problema... Opta-se por legalizá-lo.
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* O autor é graduado (Licenciado e Bacharel), em Filosofia (UFPa), Especialista em Filosofia (Epistemologia das Ciências Humanas/ UFPa).Especialista em Teologia (Teologia e Realidade com ênfase em bioética/CESUPA). Professor do IRFP (História da Filosofia Moderna e Contemporânea), Lecionou na Escola Diaconal Santo Efrém da Arquidiocese de Belém (Antropologia Teológica, Escatologia); Leciona na Curso de Teologia (CCFC), as disciplinas Teologia Fundamental, Mariologia e Escatologia. É professor da Rede pública, onde leciona Filosofia.
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desconstrução da Heteronormatividade

Após a eleição de Dilma Rousseff, houve notícias tristes, mas não surpreendentes. Os últimos dias do governo Lula destacaram-se por uma série de medidas em favor do homossexualismo. No ministério composto por Dilma, encontramos a defesa da descriminalização do aborto e do uso de drogas, assim como o combate à “homofobia”. Em 6 de janeiro de 2011, foi publicado no Diário Oficial da União a  resolução 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina, que estendeu a duplas homossexuais o direito à “reprodução assistida”[1]. O Ministério do Turismo prevê neste ano um incentivo ao turismo homossexual, baseado em um acordo assinado entre Abrat GLS (Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes) e a Embratur em 21/10/2010[2].

O que foi feito do PNDH-3?
Em 21/10/2009, o presidente Lula presenteou os brasileiros com Decreto 7037/2009, que aprovou o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)[3]. No programa constava explicitamente “apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos” (Eixo orientador IV, diretriz 9, objetivo estratégico III ação programática g). Atendendo a protestos, em 12/05/2010 Lula resolveu suavizar o texto, com o decreto 7170/2010: “considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde”. O conteúdo permaneceu o mesmo, embora velado, pois toda vez que o governo se refere ao aborto como tema de “saúde pública” não se refere à saúde do bebê em gestação, mas à saúde da gestante que sofre danos em razão de abortos “mal feitos”. Permanece portanto, o propósito de descriminalizar o aborto e praticá-lo no SUS.
O mesmo decreto 7170/2010 resolveu recuar (ao menos, por enquanto), no propósito de “desenvolver mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União” (Eixo orientador III, diretriz 10, objetivo estratégico VI ,ação programática c).
No entanto, o PNDH-3 permaneceu intacto em seu propósito de “apoiar projeto de lei que disponha sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo” e “promover ações voltadas à garantia do direito de adoção por casais homoafetivos” (Eixo orientador III, diretriz 10, objetivo estratégico V, ações programáticas b, c), bem como de “garantir os direitos trabalhistas e previdenciários de profissionais do sexo por meio da regulamentação de sua profissão” (Eixo Orientador III, diretriz 7, objetivo estratégico VI, ação programática n). O propósito do PNDH-3 em relação à família resume-se no seguinte: “reconhecer e incluir nos sistemas de informação do serviço público todas as configurações familiares (sic) constituídas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, com base na desconstrução da heteronormatividade (sic)” (Eixo orientador III, diretriz 10, objetivo estratégico V, ação programática d).
Em vez de destruir, “desconstruir”. “Heteronormatividade” é a regra, absurda para o governo, segundo a qual homens só se casam com mulheres, e mulheres só se casam com homens. É preciso destruir (ou “desconstruir”) essa regra, reconhecendo outras formas de família, o que significa, na verdade, destruir a família natural. A família assim deixa de ser o “santuário da vida”[4] e passa a designar qualquer aglomerado de pessoas (no futuro, também animais?), com qualquer tipo de comportamento sexual (incluindo a pedofilia?), orientado ou não à procriação. A vida deixa de ser sagrada, para ser o produto do encontro casual de um macho e uma fêmea da espécie humana. A promoção do aborto é coerente com a defesa da desestruturação da família. Ambas são bandeiras de nosso governo petista.

Mais de R$ 300 milhões contra a “homofobia”
Segundo Lula, homofobia é uma “doença perversa”[5] que leva os brasileiros a não aceitarem com naturalidade o vício contra a natureza. Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, 99% dos brasileiros maiores de 16 anos têm essa “doença”[6]. Os sintomas são vários: desde franzir a testa diante das obscenidades de uma Parada Gay até não admitir um candidato homossexual em um seminário ou casa religiosa. Em 23 de novembro de 2010, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado aprovou uma emenda ao orçamento de R$ 302,8 milhões para iniciativas de apoio à “prevenção e combate à homofobia”[7].

Criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação
Para combater os 99% dos brasileiros doentes de “homofobia”, em 9 de novembro de 2010, o presidente Lula criou, por meio do decreto 7388/2010, um Conselho Nacional de Combate à Discriminação[8], composto apenas pela elite daquele um por cento que não tem essa doença. Sua finalidade é “formular e propor diretrizes de ação governamental, em âmbito nacional, voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT” (art. 1º, decreto 7388/2010).

Benefícios previdenciários para duplas homossexuais
Em 9 de dezembro de 2010, o Ministério da Previdência Social assinou a Portaria 513/2010[9], que passa a enquadrar as duplas homossexuais no conceito de “união estável” para fins previdenciários. Sem dúvida, mais um passo em direção ao reconhecimento do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo.

“Kit gay” para crianças e adolescentes nas escolas
O Ministério da Educação e Cultura pretende forçar as escolas a corromper os adolescentes, apresentando a conduta homossexual como aceitável e a conduta “homofóbica” como abominável. Para este fim, foi produzido um “kit de material educativo [?] composto de vídeos, boletins e cartilhas com abordagem do universo de adolescentes homossexuais que será distribuída para 6 mil escolas da rede pública”. Parte do material foi exibido em 23 de novembro de 2010 na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, durante o seminário “Escola sem Homofobia”. O vídeo “Encontrando Bianca” apresenta um jovem de 15 anos, chamado José Ricardo, que insiste em se vestir de menina e ser chamado de Bianca. Ele aparece como vítima de perseguições “homofóbicas” e sofre dilema no momento de escolher o banheiro feminino em vez do masculino. A versão feminina da peça audiovisual mostra duas meninas “namorando”. Os produtores ficaram três meses discutindo sobre até onde deveria entrar a língua na cena do beijo lésbico[10].

Ministra Iriny defende o direito de a mulher “decidir”
Iriny Lopes, petista, escolhida por Dilma para ocupar o cargo de ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, declarou à Folha de São Paulo: “não vejo como obrigar alguém a ter um filho que ela não se sente em condições de ter. [...] Ninguém defende o aborto, trata-se de respeitar uma decisão que, individualmente, a mulher venha a tomar”. No 3º Congresso Nacional do PT, em 2007, Iriny havia defendido a proposta de descriminalização do aborto, que se transformou em resolução do Partido[11].
Ministra Maria do Rosário promete cumprir PNDH-3
Maria do Rosário, petista, nomeada ministra da Secretaria de Direitos Humanos, em seu discurso de posse de 3 de janeiro de 2011, prometeu cumprir as metas do PNDH-3 e combater a “homofobia”[12].

Ministro Cardozo quer discutir descriminalização do uso de drogras
Em 5 de janeiro de 2011, o novo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso declarou que é favorável a uma discussão pública sobre a descriminalização do uso de drogas. Para ele, o assunto “precisa ser colocado para a sociedade”[13].

PLC 122/2006: a incriminação da “homofobia”
Para o governo, opor-se ao homossexualismo não é apenas uma “doença perversa” que precisa ser curada, nem somente uma falta de educação que deve ser remediada com vídeos (des)educativos. O sonho do governo é transformar a “homofobia” em crime, instaurando o terror sobre a esmagadora maioria dos brasileiros ditos “homofóbicos”. É isso o que pretende o PLC 122/2006, que o PT lamenta não ter conseguido aprovar até o final de 2010. É possível desarquivar o projeto, caso haja o requerimento de um terço dos senadores. Uma vez desarquivado, o PLC 122/2006 poderá continuar a tramitar pelo Senado.

Conclusão
O Brasil ainda não tem a eutanásia da Holanda, o “casamento” de homossexuais da Espanha nem o aborto dos Estados Unidos. Embora haja países mais moralmente corrompidos que o nosso, o governo brasileiro se destaca, desde a ascensão do PT em 2003, por uma campanha ininterrupta e onipresente em favor da corrupção das crianças, da destruição da família e da dessacralização da vida. Para nossa vergonha, é difícil imaginar, em todo o planeta, um governo que mais tenha investido na construção da cultura da morte.

Anápolis, 11 de janeiro de 2011

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis